No fundo, todos nos achamos um tanto esquisitos em relação ao outro, mas temos algo em comum que nos identifica como pessoa. “Ninguém é igual a ninguém./ Todo ser humano é um estranho/ ímpar”, nos diz Carlos Drummond de Andrade.
Ser diferente não é uma opção, nem merece castigo, nem se presta para zoeira, bullying, perseguições. É uma condição. Em muitos casos, o sofrimento é atroz para quem, por exemplo, pensa além dos limites da caixa, se sente um ponto fora da curva, se acha perdido no tempo, parece não pertencer a este mundo, nem a qualquer outro.
Quem não acorda, às vezes, com o cabelo tão alvoroçado, mas tão, que parece de outro ser? Quem já não se achou idiota ao acenar, na frente de todo mundo, bem na hora em que a pessoa, embriagada pela admiração unânime, sorria para o outro lado?
Então, imagine alguém se sentir deslocado o tempo todo. Não por querer, mas por razões que fogem ao controle de cada um. Não por opção, mas por ter nascido gago, ou hiperativo, ou down, ou autista, ou tarja preta, ou com a orientação sexual que lembra a de uma bússola aturdida entre os pontos cardeais, ou com a pele no tom daqueles a quem os que se elegem como padrão delegam o trabalho pesado, ou com as feições dos donos da terra na qual erguemos nossas cidades, incluindo essa tão abençoada entre águas, ilhas, matas e morros chamada Porto Alegre.
O mais esquisitão de todos neste paraíso talvez tenha sido Qorpo Santo. O escritor oitocentista que adotou esse nome criou uma linguagem própria e foi interditado judicialmente por loucura. Em um mês, escreveu oito peças. Um de seus livros se chama Hoje sou um; e amanhã sou outro. Um século depois de sua morte, passou a ser considerado precursor do teatro do absurdo por intelectuais gaúchos. Pessoas letradas costumam ser excêntricas, mas também merecem aceitação.
Ninguém opta por um corpo fora dos padrões, por gargalhar fora de hora, por ter a voz esganiçada, a inteligência curta, o nariz gigante, a boca minúscula. Nem tudo é prazeroso no caso de quem não consegue andar em manada, de quem arrasta um violoncelo para todo lado ou tem a observação de pássaros como hobby. Quem não gostaria de ser como é, mas perfeito na aparência como essas pessoas de sorriso congelado das revistas de amenidades, as que têm cartão de crédito sem limite e não vão a lugares chiques, mas “aparecem” ou “são vistas” com parceiros cada vez mais jovens e mais malhados?
Se formos a fundo, e nem precisa tanto, tem sempre algum senão por baixo até mesmo da embalagem de pessoas que parecem irretocáveis. É bom para eles, para nós? Não. Mas é o que nos identifica como ser senciente. De novo, a diferença. De novo, aquilo que nos une, que nos torna humanos, que é igual na nossa diversidade, que faz o mundo parecer mais rico, menos óbvio.
Tão simples. É só entender. Só começar. E aí tudo fica mais leve. O peso desaparece.
Vamos nessa?