Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Todo governo se assenta em uma correlação de forças. A experiência demonstra que equipes totalmente coesas e sem fricções não existem, a não ser no imaginário idealizado dos próprios governantes. Os que ora assumem, no país e nos Estados, têm o desafio de costurar tais forças em busca da governabilidade. O governo Bolsonaro parte de uma base congressual em princípio ampla, a ser acrescida dos pragmáticos do Centrão, dispostos a apoiar quem tem a caneta de nomear na mão. Já estritamente da ótica da economia, há, pelos menos, duas convenções ou formas de pensar que, embora não excludentes, diferem em pontos e visões que exigirão uma definição, ou seja, imporão escolhas. No caso, normalmente o árbitro é o próprio chefe do executivo.
De um lado, há um grupo de economistas, com Paulo Guedes à frente e prováveis membros do governo Temer. Este se volta mais às políticas de estabilização e de corte mais liberal, ao gosto do mercado financeiro, cuja influência nos últimos governos, mesmo de Lula, não foi desprezível (manutenção do regime de metas de inflação, superávit primário, altos juros e câmbio desvalorizado). A novidade vem do setor oriundo da caserna, que elabora propostas de infraestrutura e em áreas específicas, como política externa, transportes, segurança e energia. Tal dualismo lembra o governo Geisel, com Mário Henrique Simonsen, na Fazenda, tratando da macroeconomia, e Reis Veloso, no Planejamento, executando o 2° Plano Nacional de Desenvolvimento. Se os economistas priorizam o curto prazo, o segundo grupo, pela própria formação militar, incorpora variáveis como estratégia, soberania e geopolítica; e defende valores cuja unidade epistêmica é a nação e não o mercado. Este torce o nariz para tais valores e preocupa-se mais com o preço de leilão dos ativos e os dividendos dos aplicadores. Guedes teve de recuar na política de “privatizar tudo” e, por ora, de seu desenho de reforma da Previdência. Até hoje, o pêndulo foi para o lado de reconhecer que há setores estratégicos que não podem ser privatizados. Mas, justamente esses é que estão na mira dos investidores, pois são os mais lucrativos. O que vai acontecer ainda é cedo para dizer. O mundo mudou, mas no governo Geisel quem falou mais alto foi o grupo de Reis Veloso.