Por Montserrat Martins, psiquiatra
O "recado das urnas" tem muitos ângulos, inclusive o psicológico. Além da demanda por mais policiamento e "linha dura" contra a criminalidade, também há um evidente desgaste do "politicamente correto". Para intelectuais de esquerda, os "preconceitos do homem comum" teriam vindo à tona, numa espécie de reação às mudanças de costumes. Já para os analistas liberais, é uma rejeição à manipulação de grupos sociais, em que a esquerda se apropria das causas feministas, de afrodescendentes e de relações homoafetivas. Até que frases como "eu sou mulher e voto em quem eu quiser" desafiaram a tutela da esquerda sobre os direitos da mulher.
Ser contra cotas raciais é ser racista? Ou, ao contrário, é perpetuar o racismo estimulando o conflito étnico e tutelando alguns como se menos capazes fossem? Se há uma "dívida histórica" com a escravidão (formalmente extinta há 130 anos), essa poderia ser resgatada com "cotas sociais" para escolas públicas, para pessoas de todas as etnias em condições financeiras desfavoráveis. Num ambiente civilizado, esse debate poderia ser feito em alto nível e sem rótulos, mas não é tradição da esquerda tupiniquim respeitar posições em contrário sem rotular.
Nas brigas em redes sociais, outro rótulo comum é o de "homofóbico", que recentemente era atribuído a todos que contestavam Pabllo Vittar, musicalmente, mesmo que gostassem de Fred Mercury, Ney Matogrosso ou outros músicos notoriamente homossexuais. Foi assim que nas redes sociais "homofóbico", "racista", "misógino", entre outros rótulos, passaram a ser atribuídos a milhões de brasileiros, que por suas posições mais conservadoras ou simplesmente por diferenças de opinião passaram a ser tachados como se fossem pessoas "atrasadas", preconceituosas, moralmente inferiores, indignas.
Essa opressão psicológica aumentou com a hegemonia cultural, num longo ciclo de discurso da esquerda no poder, durante o espaço de tempo que se poderia dizer "de toda uma geração", eis que vitoriosa nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Foi essa hegemonia e o discurso psicologicamente triunfante e rotulador sobre quem não concordasse com seus preceitos que gerou, agora, uma reação oposta intensa, fruto de extrema saturação e desgaste, contra o politicamente correto.
Isso não significa que os grupos sociais "vitimizados" historicamente pela esquerda sejam discriminados, embora algumas pessoas o façam – sim, existem fascistas de verdade. A questão é o descrédito de seus pretensos defensores, que os queriam "tutelar". Na ótica liberal, os direitos individuais também seriam respeitados, contra todas as formas de preconceito. Como isso se dará na prática? Não sabemos, mas por um bom tempo (mais uma geração?) o politicamente correto "saturou".