O incêndio que destruiu não apenas o Museu Nacional, do Rio de Janeiro, mas parte do que se constitui em motivo de orgulho para os brasileiros na área acadêmica e científica, choca e revolta a todos. Ainda assim, não surpreende, pois é a típica tragédia anunciada. Episódios anteriores, como os que provocaram danos irreversíveis no Museu de Arte Moderna (MAM) e no Museu da Língua Portuguesa, já haviam sido sinais de alerta que não chegaram a ser levados em conta.
O descaso do poder público com a história e a cultura brasileiras é conhecido de todos. Museus não têm lobistas em Brasília e nem "frentes parlamentares" em sua defesa no Congresso, quanto mais advogados de peso no centro do poder. Mas o que ocorreu no Rio demonstra mais que irresponsabilidade e desinteresse de governos pelo acervo do país. A questão é muito mais ampla. O patrimônio nacional, de pesquisas a estradas, está se dissolvendo na falência do modelo de Estado inchado e desfocado que alguns – partidos e candidatos, inclusive – fazem o possível para conservar intocável.
Um país perdulário com as pressões de corporações e avarento com o interesse coletivo é a síntese do problema.
As chamas expuseram no Rio a falência de um modelo que dá prioridade ao gigantismo e estatismo, que serve mais para acomodar apaniguados, pagar salários a si mesmo e assegurar benesses ao topo da pirâmide do serviço público do que para gerar investimentos e benefícios coletivos. Desde 2014, o governo federal não repassava nem os R$ 520 mil anuais de manutenção do Museu Nacional. O valor é equivalente a pouco mais do desembolsado anualmente a um servidor que recebe o teto salarial.
Esse modelo já ruiu há tempos, legando um déficit nas contas oficiais que está na real origem da falta de recursos para o que é, de fato, prioridade do serviço público. Ainda assim, o país só parece se dar conta do óbvio em momentos de grande comoção: é urgente reformar o Estado, a gestão pública e rediscutir as prioridades do dinheiro arrecadado pelos impostos.
O próprio formato de gestão dos museus está em xeque. Outros países têm recorrido a alternativas como a filantropia, por exemplo.
Não bastam agora promessas vagas para reconstruir a instituição no Rio. É preciso evitar que o patrimônio público vire cinzas no conservadorismo da manutenção de um modelo destinado a produzir muitas outras grandes e pequenas tragédias nacionais.