Por André Luís Woloszyn, analista de Assuntos Estratégicos, mestre em Direitos Humanos e especialista em Ciências Penais
A situação inédita na história brasileira enfrentada pelo Estado de Roraima face ao fluxo constante de imigrantes e refugiados venezuelanos é um tema complexo que requer uma análise multidisciplinar, em especial, pelos sentimentos de desconfiança e hostilidade que poderão advir ou sugestões radicais como o fechamento da fronteira, como muitos defendem.
Nas últimas décadas, alguns pontos contribuíram decisivamente para um certo preconceito em relação à imigração e que se acentuou pós atentados de 11 de setembro, motivados por questões de segurança e temor ao terrorismo internacional. Particularmente, os Estados soberanos historicamente privilegiaram vítimas de violações de direitos civis e políticos, no caso de refugiados, em detrimento das vítimas de violações de direitos econômicos, sociais e culturais, caso dos imigrantes. Tal preconceito se manifesta, inclusive, na legislação internacional quando impede que pessoas na condição de refugiados sejam deportadas, o mesmo não ocorrendo com imigrantes.
Outra questão que deve ser desmistificada é a percepção distorcida de que estes disputam postos de trabalho com nacionais. Num país com grave situação econômica e altas taxas de desemprego, os mais qualificados sejam nacionais ou estrangeiros terão oportunidades e contribuirão para o crescimento da economia com vantagens para toda a sociedade, embora seja um processo lento a médio e longo prazos.
Diante dessa conjuntura, pouco se fala sobre as vantagens da imigração. Todavia, a presença de múltiplas culturas favorece as relações com outros países, auxilia na expansão cultural do Brasil na América Latina, possibilita o desenvolvimento de políticas públicas e melhoria gradual nos serviços públicos para regiões anteriormente deficitárias, como é o caso de Roraima, pelo chamado poder brando, aquele obtido com o compartilhamento de valores e necessidades e pelo diálogo multicultural.
Neste sentido, o acolhimento de venezuelanos, haitianos e outras etnias deve ser encarado sob dois enfoques. O primeiro, de ordem legal, ou seja, o cumprimento aos tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu na Organização das Nações Unidas, como a Convenção de Genebra, de 1951, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1961. Em segundo, o fenômeno deve ser percebido sob o guarda-chuva dos direitos humanos e da cidadania universal, uma vez que tal acolhimento se constitui em um ato humanitário.
Não podemos permitir que radicalismos surgidos por problemas momentâneos ofusquem nossa visão humanitária ao mesmo tempo que não podemos esquecer que somos um país formado por migrações, e esta riqueza multicultural trazida por diversas raças, etnias, línguas e credos nunca criou óbices à integração e à convivência harmoniosa entre os brasileiros. O próprio êxodo rural, característica das décadas de 1950 a 1970, é um tipo de migração, de natureza interna, que trouxe desenvolvimento e progresso para as regiões brasileiras do Sudeste e do Centro-Oeste, assim como a imigração internacional foi determinante para o desenvolvimento econômico da região sul do Brasil.