Uma das principais frentes do governo federal para tentar conter a tensão entre brasileiros e venezuelanos em Roraima, o processo de interiorização deve chegar ao Rio Grande do Sul a partir de setembro. Nesta terça-feira (20), em entrevista por telefone a GaúchaZH, o ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, confirmou que o Estado e o Paraná são prioridades do governo federal como destino para os imigrantes do país vizinho.
— Nossa intenção é interiorizar, o mais rapidamente possível, mil venezuelanos para o Sul e o Sudeste, tendo como foco Rio Grande do Sul e Paraná, porque tem mercado de trabalho e mais possibilidades para que eles possam recomeçar — afirmou Beltrame, sem descartar que outros Estados possam ser incluídos.
Até agora, 820 imigrantes, fugidos da crise em que está mergulhado o país de Nicolás Maduro, já foram transportados em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) em cinco etapas para sete cidades: Cuiabá (MT), Manaus (AM), São Paulo (SP), Conde (PB), Igarassu (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF).
O ministro explicou que ainda há cerca de 4 mil venezuelanos em abrigos em Roraima e que, destes, nem todos desejam ficar no Brasil ou estão em condições de viajar. Os mil a que se refere fazem parte do grupo que atende aos requisitos do programa federal, ou seja, em primeiro lugar, que desejam viajar e se estabelecer em outro Estado brasileiro, e em segundo, que estão em boas condições de saúde e vacinados há pelo menos 10 dias.
Beltrame não especifica quantos viriam para o Rio Grande do Sul, porque ainda não se sabe qual a capacidade de abrigo e quais cidades estão disponíveis para recebê-los.
Na segunda-feira (20), a secretária de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre, Denise Ries Russo, confirmou que a Capital tem interesse em receber a interiorização, mas manifestou que a cidade não tem um abrigo público. Portanto, teria de obter recursos para providenciar alojamentos.
Beltrame garantiu que há verba disponível para auxiliar com moradias tanto a nível federal quanto oriunda de doações a organismos internacionais.
— Nossa tarefa, com o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), é encontrar locais que podem abrigá-los adequadamente e gestores estaduais e municipais dispostos a nos auxiliar, porque ainda há certa resistência, principalmente por acharem que terão um problema no futuro — afirmou o ministro.
O tempo de abrigamento pelo poder público é, em média, de seis meses, mas o prazo é flexível. A ideia é que eles tenham tempo de se adaptar ao lugar, à cultura e ao idioma, para encontrarem emprego e, então, iniciarem a nova vida por conta própria.
Beltrame salientou, ainda, que, durante esse meio ano, o processo de interiorização prevê equipes para gerirem os abrigos e uma rede multidisciplinar, de psicólogos a advogados, que auxiliem nas demandas dos imigrantes. A ideia é encontrar os abrigos até o fim de agosto, para que, no começo de setembro, comece o transporte de venezuelanos.
Em reunião ordinária do Comitê Municipal de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas de Porto Alegre (Comirat-POA), realizada nesta terça-feira, foi criado um grupo de trabalho para tratar da possível chegada de venezuelanos na Capital. O grupo, composto por órgãos municipais, estaduais e entidades da sociedade civil, pretende apresentar proposta viável de acolhimento aos migrantes. A primeira reunião do colegiado deve ocorrer na próxima semana.
Interior também pode ser destino
O foco do governo federal vem sendo as "cidades grandes", onde há alojamentos prontos e estruturas mais desenvolvidas. A coordenadora do Programa Brasileiro de Reassentamento de Refugiados da Associação Antônio Vieira (Asav), que representa o Acnur no Estado, avalia que o ideal seria que, além da Capital, cidades do Interior recebessem venezuelanos.
— No Interior, as cidades são menores, mais acolhedoras e dão mais condições de moradia. O acolhimento é maior e os venezuelanos têm mais chance de se aproximarem da sociedade — afirma Karin.
Nesse sentido, o Acnur vem fazendo contatos com algumas cidades gaúchas. Entre elas, Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, que já foi reconhecida nacionalmente e na América Latina por ter acolhido refugiados palestinos e colombianos. Segundo o prefeito, Giovane Wickert (PSB), há o interesse de receber venezuelanos, embora nada tenha sido oficializado. Mas ele cobra contrapartidas que vão além da ajuda imediata com moradia e necessidades básicas.
— A gente propõe que exista uma política pública transversal que dê incentivos aos municípios que façam acolhimento de refugiados, porque, se por um lado, a gente entende a importância humanitária, são mais pessoas que precisam de trabalho, de vaga na creche, que vão estar na fila do posto de saúde. Então, ao acolher imigrantes, que a gente ganhe pontos numa seleção para receber verbas para construir uma escola ou para a segurança, ou seja, uma contrapartida para a comunidade local — afirma Wickert.
O governo estadual gaúcho informou que não está envolvido nas negociações e que a "política de atenção aos imigrantes é de competência dos municípios".