O episódio de desvio de dinheiro da Carris, realizado por um indicado político que usava nome e documentos falsos de uma criança morta, além de revoltante, revela, ao menos, três aspectos que merecem consideração.
O primeiro é que a denúncia foi feita pela atual gestão da prefeitura, fato revelado pelo promotor na sua entrevista coletiva. Em apenas 30 dias, não somente descobriram a farsa como a denunciaram à Justiça. Claro que não fizeram mais do que a obrigação, mas quantos fazem? Ainda mais levando em conta o grau de conflito político que acaba sendo gerando por atitudes frontais como essa, que podem criar uma ferida aberta em um partido aliado. Tampouco é fácil fazer isso no início do mandato, porque dificulta a construção de maioria no legislativo. E, apesar de tudo isso, e de ser o que o povo espera dos eleitos, este tipo de atitude é pouco debatida e valorizada pela mídia e pela população, e acaba parecendo menor e mais relevante do que de fato é. Acaba escondida no debate cotidiano, quando deveria ser pinçada como exemplo de postura dos governos e da exigência de vigilância de todos nós.
Outro aspecto interessante é que a indicação do tal sujeito veio do gabinete do ex-prefeito na gestão passada. Se pensarmos um pouco, veremos que nenhuma das alternativas é muito boa. Se o ex-prefeito sabia quem era o indicado, não é bom sinal. Mas, se ele não sabia, como parece ser o mais provável, então assinou embaixo de uma mera indicação política, avalizando um nome sobre o qual não tinha nenhuma referência. É do jogo, é assim que funciona, é assim que se retroalimenta o sistema. Ou, se preferirem, o mecanismo. Claro que assim também se nomeiam ótimas pessoas e quadros técnicos. E, afinal, como exigir que se rompa com isso quando nós também não valorizamos um governo que enfrenta esse tipo de coisa? Não há estímulo para os justos quando o mérito fica escondido e o ônus aparece exposto em forma de fratura política.
O terceiro ponto é que o fato em si ensejou dois tipos de manifestações contraditórias. De um lado, os defensores da privatização saltaram para dizer que o desvio comprova a necessidade de tirar a Carris das mãos do Estado ineficiente. De outro, os estatizantes gritaram que a empresa dá prejuízo por causa da ineficiência, e não por ser pública. Esta é a vida: não vemos as coisas como elas são, vemos as coisas como nós somos. Vem daí, também, a dificuldade de se conseguir alguma convergência neste Rio Grande que só se vê azul ou vermelho. Se víssemos mais do que isso, certamente enxergaríamos neste episódio da Carris muito mais do que a superfície revela a olho nu ou nas manchetes dos jornais.