Senti alegria ao saber que a deputada Manuela D’Ávila havia mencionado Mariana Mazzucato, economista de esquerda que faz ótimas provocações sobre política de inovação, em um de seus vídeos. Sempre achei que a esquerda brasileira deveria lê-la mais.
Minutos depois, abro a Folha e vejo um artigo de Manuela sobre a oferta da Boeing pelas ações da Embraer, possivelmente a empresa mais inovadora do Brasil, originária de um esforço estatal de construção de capital humano e avanço tecnológico. Um dos argumentos no artigo tem mérito: o governo brasileiro precisa tratar essa transação estrategicamente e proteger o interesse nacional, dada a importância da Embraer na política de Defesa e na geração de empregos de altíssimo valor agregado. Concordo que o governo Temer, pelo seu caráter fisiológico, não parece estar lidando com o assunto com a devida seriedade e transparência.
Manuela dá a entender que essa atitude estratégica deveria ser utilizada para combater a desindustrialização de maneira geral. Esquece que a Embraer é exceção. O resto – inclusive a JBS, a Odebrecht, a Vale e a Petrobras – não merece o mesmo tratamento. A desastrosa política industrial dos governos do PT, dos quais a deputada fez parte, inclusive recebendo dinheiro de algumas das empresas favorecidas, está aí para provar. O "neoextrativismo" que a deputada tanto teme foi impulsionado pela chamada política das campeãs nacionais, marca desses governos.
A proteção dos governos dos EUA, do Canadá e do Reino Unido a suas indústrias de aviação só acontece porque esse setor é altamente estratégico. Matar boi, por exemplo, não é uma atividade sofisticada que eles ambicionem desenvolver em seus territórios. Também não financiariam empresas sem diferenciais competitivos claros e validados no mercado.
A Boeing e a Bombardier, empresas citadas no artigo de Manuela, têm uma estrutura acionária pulverizada, formada por investidores do mundo todo, e seguem elevados padrões de governança corporativa. Não são estatais, apesar das relações estratégicas com governos nacionais. Esse padrão elevado, que nada tem a ver com reestatização, é o que a deputada deveria esperar da Embraer. E, como representante do povo, poderia exigir mais transparência do governo nessa decisão.