Sustento que estão equivocados os que imaginam que um resultado absolutório no julgamento do ex-Presidente Lula no TRF 4, interessa somente aos que defendem – como eu mesmo – o direito dele concorrer novamente à Presidência e que as ilegalidades, cometidos neste processo, devem ser ignorados para que esta restrição possa vingar. Como ex-Ministro da justiça e advogado militante, posso dizer que conheço o Sistema de Justiça do meu país e que ele é respeitável. Todavia é lícito considerar que não existe nenhuma instituição "pura", em nenhum país do mundo, nem qualquer comunidade corporativa, que não tenha os seus vícios e amoralidades. Isso é humano, é real, é verdadeiro.
Quando a "exceção" está à solta, ela se torna cega e cada vez mais violenta.
Em nenhum momento da nossa história republicana, posterior à Constituição de 88, Política e Direito, que se comunicam na esfera pública de forma permanente, nunca estiveram tão fundidas como agora. E esta fusão, determinada pela polarização radical – que buscava atalhos para o poder – foi acionada pela deposição inconstitucional da presidenta, que levou ao Governo uma "coalizão" de forças da pior parte do Governo Dilma, com a pior parte da oposição. Esta coalizão foi desmoralizada, rapidamente, nas suas motivações públicas: acabar com a corrupção e colocar o país "nos eixos". Não só protegeu investigados e processados no leito do Governo, como não tinha legitimidade para fazer o que está fazendo E só consegue fazê-lo pelo perdão tácito que a grande mídia lhe oferece, para que a "coalizão" promova as reformas destrutivas do Estado Social no Brasil, sem colocar nada em seu lugar.
Os dois fundamentos básicos do constitucionalismo moderno – do Estado Social ou do meramente liberal – são o da "inviolabilidade dos direitos" e o princípio da "igualdade formal", que implicam na neutralidade formal e material do Estado, em cada caso concreto, para dar alicerce jurídico aos direitos fundamentais. Ambos estão sendo violados neste processo contra Lula, não somente pela proibição de que a sua defesa produzisse determinadas provas, mas porque o juiz Moro – seduzido pelo cerco midiático que condenou Lula antes de qualquer decisão judicial – passou a ser um juiz inquisidor. Passou a ser "parte" no processo, posicionado no debate público inclusive sobre questões políticas que não eram competência da sua jurisdição. Isso estarreceu os grandes juristas do Direito Penal no mundo, como Ferrajoli e Zaffaroni, para citar dois luminares do exterior, e juristas maiores, de referência no Brasil como Celso Antônio Bandeira de Mello.
Os desembargadores do TRF 4, independentemente da suas convicções ideológicas e das suas relações políticas, são homens decentes e preparados. Têm compromissos com a Constituição e com a sua consciência. Estarão julgando, dia 24 próximo, não o processo de Lula, mas se a nossa democracia vai acatar estes caminhos da "exceção", que significam a produção de normas paralelas à Carta, ao sabor da conjuntura originária da "midiatização" do processo penal, que julga e pune antes da Justiça. Não existe uma Constituição para Aécio Neves e outra para Delcídio, apenas para lembrar a aberração mais pública e evidente, da "exceção" em curso. Como disse Danton, à beira do cadafalso: "Tu me seguiras Robespierre". Quando a "exceção" está à solta, ela se torna cega e cada vez mais violenta.