Cresci em Bento Gonçalves, na época um dos municípios mais desenvolvidos do Brasil, durante alguns anos primeiro lugar no ranking nacional do IDH. Orgulhosa de sua economia diversificada, que a faz resiliente a algumas crises, a cidade constrói sua renda em cima de habilidades criativas aplicadas a redes produtivas complexas: a produção de móveis, que depende do bom design; a produção de vinhos, que vive de um marketing quase mitológico; a indústria metalmecânica, que precisa da inovação em processos e da penetração em outras cadeias complexas.
Lembro-me, no entanto, de sentir falta de um espírito cosmopolita que via nos filmes e nos livros. Como podia uma cidade tão fechada destacar-se por sua inventividade? Como podia exportar sem saber da cultura do nosso próprio país? Talvez a explicação estivesse na ancestralidade dessas indústrias.
O apreço pela excelência técnica nesses campos veio da Europa com os imigrantes.
O que me salvou foi a internet. A emergência da pirataria no início dos anos 2000 me conectou com a produção cultural vinda de várias nações. Os jogos, a música. Uma geração inteira de interioranos deixou de depender do broadcasting e da conexão física com as metrópoles mais próximas.
Hoje, em municípios como Bento, dá para sentir os efeitos de longo prazo dessa revolução. Os setores de comércio e serviços começam a estar conectados com o mundo. Surgem os cafés literários, os restaurantes que unem ingredientes locais a tendências globais da gastronomia. Impulsionada também por anseios comerciais, a elite começa a ir a São Paulo e a Xangai mesmo sem antes ter frequentado tanto Caxias do Sul e Porto Alegre.
Esse glocalismo – mistura entre o global e o local – ainda vai render muito desenvolvimento para o interior do Brasil. Vamos achar novos parceiros comerciais. Beber de outras fontes criativas. Ser resilientes não apenas pela diversificação da economia, mas também pela conexão com redes globais que sustentam a troca de conhecimento por uma vida melhor.