Dizem que, quando os judeus gritaram para Pôncio Pilatos "Âron, âron, staurôson autôn" (fora com ele, fora com ele, crucifica-o), estavam criando um slogan. Uma manifestação que é um grito de guerra, assim como "Eleição sem Lula é fraude!". O bordão da hora é um achado: relaciona o julgamento de Lula com o impeachment de Dilma como parte da mesma conspiração. É o pensamento-slogan, que, muitas vezes, substitui o tirocínio e o bom senso.
Eu não sei se Lula deve ser condenado ou absolvido, pois não estudei Direito e nem conheço os autos. Mas "Eleição sem Lula é fraude" é o que os ingleses chamam de catchword, palavra-engodo. É um ótimo slogan político, e só. Notem o absurdo: nesta frase é o Lula que legitima a eleição, e não o contrário. Um conceito torto de democracia. Aliás, Temer também disse que prefere ver Lula derrotado nas urnas a ser impedido de candidatar-se. Mas, se todos os ritos processuais foram cumpridos e nenhum tipo de arbítrio foi cometido, qual o problema em respeitar a decisão da Justiça? Não me parece que a questão aqui seja deixar o "povo decidir". Até porque voto do povo não é salvo-conduto e nem atestado de inocência, como provam Maluf, Cunha, Renan e tantos reeleitos sucessivamente. Lula eleito ou derrotado não muda o que Lula fez ou não fez.
A frase, que aparenta ser uma defesa da democracia é, na verdade, um culto personalista, que revela, às avessas, o que alguns realmente pensam: que Lula não deveria ser tratado como um cidadão comum e nem julgado pela mesma lei que vale para todos. Eugenio Bucci, a quem respeito, resumiu: "A hipótese de que três desembargadores tirem da disputa um candidato tão representativo quanto Lula, sem que o eleitor participe dessa decisão, é perturbadora." Quer dizer que se não fosse um candidato representativo estaria tudo bem? Ou o problema é que desembargadores não são legítimos e precisa o povo decidir, seja quem for o candidato? Ou só vale pro Lula?
A narrativa foi mudando e ficando mais grave institucionalmente. Primeiro, o juiz Moro era parcial, depois, não haveria juízes isentos para julgar Lula e, agora, dizem que apenas a absolvição provará que a justiça brasileira é independente. Surgiu até a expressão "ditadura da toga", cunhada pelo isento e injustiçado José Dirceu. Por fim, é bom lembrar que o povo já se manifestou: a Ficha Limpa é um projeto de lei de iniciativa popular. Foi a sociedade que propôs que condenados em segunda instância não pudessem ser candidatos. E o então presidente Lula sancionou. Naquela época, ele sabia que a frase certa é: eleição sem lei é fraude.