
As ameaças recebidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e a tensão latente em torno do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocaram mudanças na rotina dos três desembargadores que irão analisar a apelação criminal do petista. Acompanhados por escolta armada 24 horas por dia, eles têm evitado circular por locais públicos e restringiram seus deslocamentos ao trajeto casa-tribunal.
De dia, os magistrados são acompanhados pessoalmente por integrantes do Grupo Especial de Segurança (GSE), uma unidade de agentes do Judiciário criada em 2015. Ela é composta por funcionários concursados, com domínio de artes marciais e de armamento, todos com porte de arma. À noite, eles dispensam a segurança pessoal, mas equipes do GSE fazem a vigilância de suas residências e monitoram eventuais saídas à rua.
O transporte dos desembargadores ao tribunal será feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).
— Vamos assegurar que todos consigam se deslocar em tempo. Nem que para isso sejam utilizadas nossas aeronaves — detalha o superintendente da PRF no Rio Grande do Sul, João Francisco de Oliveira.
A maior parte das intimidações recebidas pelos desembargadores aconteceu a partir de 1º de dezembro, quando o relator do processo, João Pedro Gebran Neto, 52 anos, concluiu o seu voto. Nem ele, nem seus colegas Leandro Paulsen, 47 anos, e Victor Luiz dos Santos Laus, 54 anos, revelam os procedimentos de segurança adotados.
GaúchaZH apurou que um dos desembargadores possui família radicada em outro Estado e viaja frequentemente para lá. É, por isso, considerado o menos vulnerável, em termos de proteção, pelos órgãos de segurança. Mesmo assim, ele suspendeu os passeios de bicicleta que costumava fazer pela orla do Guaíba. Outro magistrado, recentemente separado, pediu à ex-mulher e às filhas que deixassem Porto Alegre e retornassem só após o julgamento.
Em paralelo à proteção diuturna dos desembargadores, agentes das Delegacias de Defesa Institucional da Polícia Federal investigam a origem das ameaças. Alguns autores já identificados foram chamados a depor. Um deles é o corretor de imóveis Urias Fonseca Rocha, 58 anos, ex-candidato a vereador pelo PC do B em Campo Grande. Com escassos 136 votos, não se elegeu.
Em áudio distribuído por WhatsApp, o militante disse que a condenação de Lula não poderia ser aceita e que era preciso "ir pra rua, ir pro pau" e "começar a estourar a cabeça de coxinha, de juiz, mandar esses golpistas para o inferno". Após a divulgação do áudio, o PC do B suspendeu Rocha por 120 dias. Ele está proibido de se manifestar em nome do partido, inclusive em redes sociais. Ouvido pela PF, Rocha disse que foi mal interpretado e que não é favorável à violência.
O TRF4 não revela o teor de outras intimidações, mas fontes do Judiciário relatam que a maioria foi via internet, por e-mails anônimos ou até mesmo postagens abertas em Facebook, com autores identificados. Em casos raros, houve também o envio de cartas.
Como se trata de manifestações passionais, via de regra de militantes políticos, não são encaradas como de alto grau de risco pelos desembargadores. A recomendação no TRF4, porém, é para que sejam enfrentadas como se fossem perigo real.
— Os gabinetes dos desembargadores receberam vários telefonemas com xingamentos e, alguns, com ameaças, caso o ex-presidente Lula seja condenado. Mas nada concreto, a maioria só faz desaforo mesmo — descreve uma funcionária do TRF4.
O perfil dos desembargadores
Dos três julgadores de Lula, aquele que é considerado pelos advogados o mais rigoroso é o relator Gebran Neto, se levados em conta seus votos. Ele é ex-promotor de Justiça estadual, atuava em acusações.
O mais "garantista" – no sentido apontado pelos advogados como pessoa preocupada com garantias constitucionais dos réus – é Victor Laus. Ex-procurador da República, é filho de Linésio Laus, ex-preso político ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), um dos 679 catarinenses presos pela ditadura militar e cargo político no governo João Goulart (derrubado pelos militares em março de 1964).
Já Leandro Paulsen, juiz concursado desde o início da carreira, não é criminalista: ele é oriundo do direito tributário, mas foi designado para atuar numa turma penal, que não era sua especialidade.
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Julgamento de Lula
Condenado em primeira instância pelo juiz Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva terá sua apelação julgada pelo TRF4, em Porto Alegre, nesta quarta-feira (24). A condenação é referente à denúncia na 13ª Vara Federal de Curitiba por supostamente ter recebido propina da construtora OAS em troca de favorecimentos à empreiteira em contratos na Petrobras. O suborno, no total de R$ 3,7 milhões, teria sido pago com a aquisição e reforma de um triplex no Guarujá (SP) e com o custeio do armazenamento de seu acervo presidencial.
Os advogados pedem a absolvição do petista, alegando que a condução do processo por Moro foi "parcial e facciosa". Já o MPF recorreu da decisão de Moro por entender que o ex-presidente deve ser punido por três atos de corrupção em concurso material — instrumento jurídico pelo qual as penas são somadas —, e não apenas por um crime de corrupção e um de lavagem de dinheiro como entendeu o juiz na sentença.
O ex-presidente será julgado pela 8ª Turma do TRF4, formada pelos desembargadores João Pedro Gebran Neto, relator do processo, Leandro Paulsen, presidente da Turma e revisor, e Victor Luiz dos Santos Laus. Estão previstas manifestações favoráveis e contrárias ao ex-presidente em Porto Alegre, e foi montado um esquema de segurança especial. Seja qual for o resultado do julgamento — condenação ou absolvição —, o processo não se encerra nesta quarta-feira, já que cabem recursos ao próprio TRF4.
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