Com o tempo, acabamos esquecendo que, no início, o mar era buscado por razões terapêuticas. Viajávamos por mais de uma semana, até em carretas puxadas por bois, para um número predefinido de banhos salgados com prescrição médica.
Hoje, praticamente voamos, pelo menos até esbarrarmos nos ventos do Morro da Borússia, em busca de um prazer efêmero, que não conseguimos discernir bem qual é. E, quando alcançamos a Estrada do Mar, muitas vezes, é como se uma emoção remota nos invadisse. É como se algum sentimento de nossos ancestrais nos chegasse de um período anterior às casas de veraneio, às colônias de férias dos assalariados, aos imponentes condomínios fechados de hoje. Ou como se nos antecipássemos ao que nos espera – os pés descalços na água salgada, o convívio com a família, com os amigos e com os problemas, o murmulhar das ondas, a areia grossa, as dunas, o picolé com gosto de gelo desde o começo, o mandolate que gruda nos dentes, o vendedor de puxa-puxa, as redes e cangas do Nordeste, sachês exalando perfume de sândalo num convite à meditação, um navio que cruza ao longe, como a nossa memória mais remota.
Nos parecemos com esse cenário ao mesmo tempo inóspito e acolhedor.
O que é o marrom do Atlântico Sul para quem convive com a monotonia do pampa ou de uma paisagem de concreto? O que é o vento nordeste no verão para quem se submete ao minuano no inverno? O que são as correntezas gélidas das Malvinas para quem aprendeu cedo, com os repuxos, a vencer o medo diante de ondas traiçoeiras como a vida? Que importância tem a ardência da pele sob o sol e dos tornozelos queimados por mães-d'água diante dessa costa reta e arenosa que nos fascina? Amamos a orla com a mesma força do sentimento que dedicamos a um cachorro lindo de tão feio.
Talvez seja porque, em muitos aspectos, nos parecemos com esse cenário ao mesmo tempo inóspito e acolhedor. E continuamos vendo nele – o mar "desprovido de apegos", de Cecília Meireles – o mesmo que tantos familiares e amigos já não presenciam mais daquela cadeira de praia vazia para sempre.
Olhamos longe, com a profundidade da visão de pescadores que distinguem cardumes a milhas de distância. É a mesma sensação de quem, no passado, buscava o litoral para se medicar com água e ar. Tudo isso já seria suficiente para justificar a vida que recomeça no novo ano, demarcada entre uma temporada e outra de veraneio. Mas, então, sem nos darmos conta, há um momento no qual nosso olhar repousa bem onde o céu se junta com o mar, ou o contrário. E o que vemos?
Vemos, como se fosse pela primeira vez, a água que brilha como a mente, quase da cor do céu, e faz nos sentirmos curados pelo oceano que nos apequena, mas nos fortalece. Vemos algo profundo e oculto como a nossa essência, sufocada pelo que nos prende ao cotidiano. Vemos como naqueles dias de milagre nos quais o mar se torna azul como o infinito, e conseguimos vislumbrar os pés afundando na areia sob a água tépida. Vemos, no horizonte longínquo, a nós mesmos.