Se tem algo pelo qual devemos ser gratos em Porto Alegre é a beleza do canto dos pássaros livres nesta época do ano. Somos abençoados por morar numa cidade arborizada, na qual o verde nas ruas é o que há de mais democrático, pois se esparrama de forma igualitária pela maioria dos bairros. O que em outros lugares pode parecer banal, ou mesmo passar despercebido, ao nosso redor se transforma num espetáculo impagável em todos os sentidos da palavra. As aves e a vegetação abundante nada nos cobram, só nos enlevam, nos tornam mais conectados com a natureza da qual fazemos parte.
Escutemos os pássaros. Os pássaros não têm recado nenhum a dar, só o seu canto.
Nem é preciso acordar cedo para se deixar seduzir por esses minicantores emplumados. Algumas vezes, sequer nos damos conta na hora, mas o som invade a escuridão do quarto de um jeito mágico. Conseguimos percebê-lo num nível quase inconsciente. E, se uma preocupação mais incômoda nos vence o sono em algum ponto da noite, basta um trinado de sabiá-laranjeira ou uns arranjos de canários e de bem-te-vis para nos deixar tão maravilhados, que acaba nos faltando espaço para as aflições.
Pássaros, com suas melodias harmoniosas, têm o poder de deixar qualquer problema com o tamanho e a leveza deles próprios. De um momento para outro, é como se a nossa cama virasse um barco, a vida um oceano, e nos víssemos como pescadores em alto-mar, ao som de pequenas sereias voadoras. Se já está na hora de acordarmos, hesitantes diante das possibilidades do dia, que são infinitas, aí mesmo é que os sons desses entes maviosos nos arrebata. Os pássaros nos puxam para a vida com a mesma energia e suavidade com que flutuam de um galho a outro, quase como plumas ao vento.
Quando a festa esquenta lá fora, entre as ramagens, parecem invadir nossos próprios sonhos, transportando-nos para regiões insondáveis. Voamos por algum tempo _ não importa quanto _ sobre telhados e copas das árvores, entre gorjeios. E, muitas vezes despertos por um ruidoso bando de caturritas, nos rendemos a uma espécie de epifania: como não tínhamos percebido antes, com essa intensidade, as razões do fascínio de alguns dos melhores músicos, compositores e poetas pelos pássaros?
Sim, há quem não consiga ouvir as aves, muito menos escutá-las. Talvez se deva ao barulho de seus próprios pensamentos. Talvez a causa seja o redemoinho das emoções, que gira ainda mais rápido nesta época do ano. Mas sempre é tempo de aguçar os sentidos, de abrir o
coração e a mente. E sem esperar muito, pois a primavera, estação preferida dos pássaros, é finita como a própria vida. "Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!", nos lembra o pastor de ovelhas Alberto Caeiro, o mais genial de todos os heterônimos de Fernando Pessoa.
Escutemos os pássaros. Os pássaros não têm recado nenhum a dar, só o seu canto, que faz com que nos extasiemos e nos fortalece. A palavra que deveríamos reservar para esses pequenos grandes seres é uma só, hoje e sempre: gratidão.