É difícil pensar no condicional, mas quem seríamos nós, os brasileiros, se a palavra amor tivesse sido de fato incluída na faixa branca de nossa bandeira costurada às pressas? Sim, pois faltou coragem àqueles senhores republicanos para bancarem na íntegra o lema positivista: "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim". Desde então, levamos pouco a sério a conclamação à ordem. Temos dificuldade de lidar com o progresso e, principalmente, de colocá-lo a serviço de todos, como seria de se esperar em qualquer República. Mas o amor negado ao círculo azul, entre estrelas, talvez tivesse sido decisivo.
Quem ama cuida. Quem ama educa. Quem ama não joga lixo no chão em que os outros vão pisar.
Apenas quatro anos depois daquela data lembrada sempre como um feriado banal, sem comemorações, o solo gaúcho tingiu-se do sangue de cabeças decepadas, como num final de batalha de Game of Thrones. Ainda hoje, vivemos como chimangos e maragatos até mesmo nas redes sociais. Com as palavras transformadas em lâminas – ou seriam facões bem afiados? –, sequer preservamos o pescoço de familiares do morto em comentários de necrológio interativo. E o que dizer do temor constante, a cada dia maior, como orgulho de gaúcho, diante de pessoas armadas sem qualquer amor ao próximo, nem ao que é do próximo, no nosso cotidiano?
Quem ama cuida. Quem ama educa. Quem ama não joga lixo no chão em que os outros vão pisar. Quem ama não maltrata o ambiente do qual todos fazemos parte. Quem ama não abandona ser vivo pelo caminho. Quem ama acolhe, se coloca no lugar do outro, não importa o jeito, nem o físico, nem a cor, nem a origem social, nem quanto tem no bolso ou no banco, nem como pensa, nem como sente, nem para onde balançam suas crenças, sua sexualidade ou sua visão de mundo. Quem ama a si e ao outro não mata. Se alguém, no nascimento da República, tivesse desfraldado a bandeira do amor "por princípio", talvez até disséssemos hoje não bom-dia, ou boa-tarde, ou boa-noite, mas eu te amo. Já pensou como seria?
Seria um mundo melhor, mas não foi. Nos coube viver este tempo, agora. Não faz muito, houve até quem tentasse colocar a palavrinha de quatro letras ao lado das outras duas em maiúsculas verdes na bandeira, mas foi ridicularizado. Se já não levamos a sério nem a ordem, nem o progresso, pouco importa. Não é naquele símbolo de figuras geométricas que o sentimento expresso nesse termo deve estar. Sigamos, pois, perseguindo-o, repetindo como mantra os versos de Carlos Drummond de Andrade, para quem "o amor vai-nos ensinando/ que é sempre tempo de amar".