Os bolivianos disseram "não" à tentativa do presidente Evo Morales de se candidatar a um novo mandato. Em plebiscito realizado no último domingo, uma maioria expressiva de eleitores rejeitou a proposta de reforma constitucional que possibilitaria ao presidente de origem indígena assumir um quarto mandato - quase uma perpetuação no poder. O recado do povo boliviano é claro e faz sentido com o princípio democrático da alternância, que oxigena a administração pública.
Inspiradas no projeto bolivariano de Hugo Chávez, que conseguiu moldar a Constituição venezuelana aos interesses de reeleição indefinidamente, as manobras na Bolívia deixam evidente a obsessão por projetos autoritários de governo em países de democracia recente. No caso, as tentativas de se apossar do cargo começaram ainda no segundo mandato. Ao passar a ideia de "refundação do país", mediante mudanças constitucionais, o governo tentou emplacar a argumentação de que surgia ali uma nova Bolívia. O primeiro mandato, portanto, não poderia ser considerado - tese que os bolivianos, majoritariamente, não abraçaram.
O recado da Bolívia vale para outros países sul-americanos, frequentemente às voltas com pretensos salvadores da pátria interessados em impor um partido único, e governar para sempre. Felizmente, a mesma democracia que deixa brechas para deformações como essas - Evo Morales pode convocar novo plebiscito como o de domingo no próximo ano - permite o debate amplo que, no caso boliviano, contribuiu para a vitória do bom senso.