Os argentinos vão às urnas nas eleições gerais deste domingo (22) para decidir o futuro do país, acuados por uma das piores crises de sua história. A encruzilhada dos eleitores à beira da hiperinflação apresenta cinco caminhos distintos. Cada qual com seus riscos e desafios, internos e externos.
Três candidatos despontam nas preferências do eleitorado. O favoritismo joga ao lado do primeiro colocado nas prévias realizadas em agosto, com 29,86% dos votos. Trata-se de Javier Milei, deputado e economista liberal de extrema-direita que se autodefine um “anarcocapitalista”.
Seus principais adversários são o atual ministro da Fazenda e represente do peronismo, Sergio Massa, que obteve 27,27% dos votos em agosto, mas carrega a deterioração econômica recente, e Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança de Maurício Macri (2015 a 2019), de alinhamento mais conservador, que obteve 28%. Ela tem atrás de si a herança macrista – o ex-presidente assinou acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e no seu mandato houve aprofundamento da crise.
Por fora, correm o governador reeleito de Córdoba e ex-ministro de Carlos Menem na década de 1990, Juan Schiaretti, do partido Justicialista, e a candidata da Frente de Izquierda y de Trabajadores – Unidad, Myriam Bregman. Ambos alcançaram menos de 10% dos votos nas prévias em agosto. Ao depositarem o voto, os argentinos terão de avaliar, dentre outras urgências, as propostas para frear a inflação que já supera os 135% no acumulado do ano – o patamar mais elevado em três décadas – e aumentar a qualidade dos empregos, em um mercado de trabalho com quase 60% das vagas atuais na informalidade. Em meio a esse cenário, o peso, a moeda oficial do país, não para de perder poder de compra.
A conjuntura econômica no país vizinho é fruto de 18 crises nos últimos 60 anos, explica o economista João Pedro Maffessoni. Em comum, acrescenta, esses episódios têm no desequilíbrio fiscal (mais gastos do receitas) o seu fator gerador.
Sentimento de mudança gera ambiente para votos de protesto
Ao longo do regime democrático argentino, que começou em 1983 com o primeiro governo constitucional, após a ditadura militar, houve alternância entre dois grupos políticos. Em 2023, as correntes ideológicas estão representadas pela oposição entre Sergio Massa (à esquerda) e Patricia Bullrich (à direita). No entanto, há entre os eleitores o sentimento de insatisfação e mudança que fez emergir o “outsider” Javier Milei. É o que diz o presidente da Associação Comercial de Santo Tomé (cidade argentina que faz fronteira com o Brasil), Roman Naya, quando traça o atual cenário.
Segundo ele, o voto em Milei é regido mais por “emoção” do que “razão”. Ele justifica ao lembrar que posturas como a não-aceitação do aquecimento global, ideias para um mercado aberto de órgãos humanos e declarações que negam a violência e as mortes nos anos de chumbo da ditadura argentina, na década de 1970, representam um risco à estabilidade do país.
Por outro lado, Naya antecipa dificuldades para que Patricia Bullrich mantenha os votos no campo da direita, em razão da ascensão de Milei. Ele aponta como fato novo, e que pode fazer a diferença nas estratégias de migração de votos na reta final, uma medida do governo que, motivado por debate eleitoral a respeito dos subsídios aos programas sociais, passou a oferecer a possibilidade de recusa ao benefício aos usuários do sistema de transporte urbano, o que eleva o valor da passagem de 50 para 700 pesos argentinos e demonstra o efeito dessas medidas para os cidadãos.
— Há um cadastro para que se faça a recusa ao subsídio, e foi uma estratégia do governo para reforçar a candidatura de Massa e contrariar o discurso de Milei, que é contrário aos programas sociais — comenta.
O economista gaúcho João Pedro Maffessoni vive em Buenos Aires, onde conclui um mestrado em Economia na Universidad Torcuato Di Tella, a mesma em que Milei se formou na década de 1990. Em sua análise, o momento da Argentina é filme conhecido dos brasileiros, mas com o agravante de uma profunda crise.
— A onda Milei é idêntica à que aconteceu no Brasil em 2018, quando Bolsonaro chegou ao poder — resume, ao referir o voto de protesto contra as duas correntes que já governaram o país.
A bala de prata de Milei para a economia
Economia é o tema que domina os debates e os ataques daqueles que postulam o cargo de presidente da Argentina. É de Milei a proposta que sugere a dolarização do país para solucionar as sucessivas crises. Em síntese, o que o candidato pretende é substituir a moeda oficial, o peso, por dólares. Na esteira da medida, o Banco Central seria extinto, o que significaria abrir mão de instrumentos de política monetária para contornar os solavancos da inflação.
A ideia gerou uma carta assinada por 170 reconhecidos economistas do país. Eles afirmam: a bala de prata ostentada por Milei pode se tornar, na realidade, o lobisomem que devorará o que resta das divisas argentinas. No entanto, para isso, o país precisaria colocar em curso uma série de ajustes para controlar déficits fiscais crônicos, o que, por si só, teria efeitos positivos na economia.
— Confesso que devo ter faltado essa aula, porque o descontrole macroeconômico é tamanho que assistimos a uma deterioração impressionante das contas públicas — explica o doutor em economia pela UFRJ Mauro Rochlin.
Dentre os custos de curto e longo prazo, explica Maffesoli, estão a escassez de dólares e a perda da autonomia monetária como instrumento de política econômica e do Banco Central como garantidor em casos de corridas bancárias e insolvência financeira, como as que já ocorreram na Argentina durante o Corralito, plano econômico implantado em 2001.
Preocupação com os impactos
Terceiro maior parceiro comercial do Brasil, segundo do Rio Grande do Sul, a Argentina se destaca como consumidor de calçados, máquinas e equipamentos agrícolas e automotivos, que são relevantes para a indústria gaúcha. Ao contrário do futebol, torcer pela reabilitação dos vizinhos é algo que beneficia a economia do Brasil.
— Infelizmente para o Brasil, existe o candidato muito ruim e o menos pior — comenta Mauro Rochlin, ao explicar que Milei é “um risco” e fala abertamente em retirar a Argentina do Mercosul e, Massa, o arquiteto do que hoje se passa na Argentina
— E não há como retirar esses créditos de ambos. Ou seja, para melhorar ainda vai ter que piorar — complementa.
Para o professor de Relações Internacionais da ESPM Sul e de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Roberto Uebel, é preciso separar o discurso eleitoral do pragmatismo necessário para presidir um país. Ao comparar uma eventual eleição de Milei com o governo de Bolsonaro, ele lembra que, apesar das bandeiras levantadas, houve pouca ação, e cita a escassez de privatizações no período.