O que começou com greves em refinarias e em centrais nucleares por reajustes salariais chegou nesta terça-feira (18) ao setor de transporte na França, paralisando o país e impondo um forte desafio ao presidente Emmanuel Macron, que já se vê em meio a uma queda de braço com seu Parlamento.
Os trabalhadores exigem um aumento salarial de acordo com a inflação e denunciam a resposta do governo à paralisação nas refinarias. Como efeito, as quatro principais centrais sindicais do país convocaram estudantes, funcionários públicos, comerciantes, trabalhadores do setor de energia e dos transportes à greve.
— Pedimos um salário mínimo de 2 mil euros, o que equivale a um aumento de 300 euros — disse o secretário-geral do sindicato CGT, Philippe Martinez, na rádio RTL, defendendo ainda um reajuste de acordo com a inflação.
A França, segunda maior economia da União Europeia (UE), registrou em setembro a menor taxa de inflação harmonizada da zona do euro, 6,2%, abaixo de outras economias, como Alemanha (10,9%), Itália (9,5%) e Espanha (9,3%), segundo o Eurostat.
Mas o clima social é tenso. O medo de perder poder aquisitivo foi a principal preocupação dos franceses durante o último ciclo eleitoral, de abril a junho, e o apelo para economizar energia para evitar apagões no inverno torna o ambiente ainda mais hostil.
Quando a França começava a virar a página da pandemia, a Rússia invadiu a Ucrânia, o que, juntamente com a resposta dos russos às sanções ocidentais, fez disparar os preços da energia e dos alimentos.
Com a experiência do protesto social dos coletes amarelos, cujo gatilho, em 2018, foi o aumento dos preços dos combustíveis, o governo de Macron aprovou rapidamente medidas para limitar a alta dos valores pagos pela energia. Mas a gota d'água para os sindicatos foi quando o governo requisitou aos grevistas da refinaria TotalEnergies para aliviar o desabastecimento nos postos de combustíveis.
Além do aumento salarial, os grevistas pedem uma melhor distribuição dos lucros obtidos pela gigante energética, que obteve mais de US$ 10 bilhões no primeiro semestre de 2022, uma reivindicação que mais da metade dos franceses entende.
Ao se recusar a tributar esses "superlucros" em nível nacional, "Macron colocou o governo no campo dos grandes patrões, em total desconexão com grande parte dos franceses que sofrem com a inflação todos os dias", segundo um editorial do jornal Libération.
Impacto para o franceses
Os impactos da greve nos transportes já foram sentidos nas primeiras horas da manhã pelos franceses, que se viram diante de um exercício de paciência para ir ao trabalho.
— Normalmente, levo uma hora e meia. Hoje, terei duas ou três pela frente — relatou Yera Diallo enquanto esperava o trem na Gare de Lyon, em Paris.
Em Toulouse, Frédéric Mercier Hadisyde, um engenheiro de 58 anos, chegou duas horas mais cedo do que o habitual para pegar o trem para a capital.
— Tive medo de distúrbios, então me organizei. Eu simpatizo com eles, eu os entendo — confessou.
Muitas viagens de ônibus e trem foram canceladas, mas a cena na movimentada estação de trem Saint-Lazare, na capital francesa, não parecia mais agitada do que o normal. Bruno Verlay saiu de casa três horas mais cedo do que o habitual para se certificar de que chegaria a tempo para o trabalho de segurança no distrito financeiro da cidade. Mas, no final, ele achou a viagem tranquila.
— Estou tão acostumado a greves que estou imune — contou.
No entanto, de acordo com uma pesquisa da Elabe, 49% dos franceses desaprovam a greve, que no setor de transporte pode ser prolongada, informou o sindicato CGT nesta terça-feira, poucos dias antes do início, na sexta-feira (21), de duas semanas de férias escolares na França, o que pode afetar o setor de turismo do país.
Pressão para Macron
A greve crescente veio logo após uma grande marcha contra o aumento do custo de vida realizada em Paris, no último domingo (16), e aumenta a pressão sobre o governo de Macron, que já está em apuros no Parlamento, onde partidos da oposição se recusam a aprovar o orçamento.
O presidente agora está lutando para acalmar os ânimos em três frentes diferentes: nas fábricas, nas ruas e no Parlamento, antes que tudo se transforme em um grande episódio de agitação social. Isso pode ameaçar sua agenda, incluindo planos para uma controversa reforma previdenciária, enquanto ele busca uma direção para seu novo mandato.
As greves que começaram nas refinarias em todo o país deixaram mais de um quarto das bombas de combustíveis na França totalmente ou parcialmente secas. Embora Macron tenha prometido que a situação voltaria ao normal esta semana, com seu governo emitindo ordens de volta ao trabalho, as filas nos postos de gasolina ao redor de Paris continuavam nesta terça-feira, aumentando a frustração entre motoristas e outros passageiros.
A greve coincide com os esforços, esta semana, do governo de Macron para obter seu orçamento por meio do Parlamento. As últimas eleições legislativas, em junho, deixaram o presidente sem maioria absoluta na Assembleia Nacional, a casa mais poderosa do Parlamento.
Os legisladores estão ameaçando votar contra o projeto de lei de gastos. Portanto, o governo de Macron provavelmente usará poderes constitucionais especiais para aprová-la sem votação. Olivier Véran, porta-voz do governo, disse que, "provavelmente", o faria na quarta-feira (19).
Étienne Ollion, sociólogo da escola de engenharia Polytechnique especializado na vida parlamentar francesa, disse que o mecanismo, permitido pelo artigo 49.3 da Constituição da França de 1958, era "uma medida um pouco autoritária".
Embora o mecanismo tenha sido usado 60 vezes desde sua introdução, disse ele, a falta de maioria parlamentar de Macron e o atual clima de agitação social podem torná-lo um movimento mais delicado.
— Isso pode afetar as mobilizações. Os manifestantes podem ver tal movimento como uma tentativa de evitar confrontar a realidade da situação, que é uma das dificuldades políticas — declarou Ollion.
Com essa medida, o presidente corre o risco de reforçar sua imagem autoritária, apesar de ter prometido mudar após sua reeleição, em abril, e tensionar ainda mais o ambiente antes da chegada da controversa reforma previdenciária, no início de 2023. O atraso na idade de aposentadoria de 62 para 65 anos, que Macron deseja implementar, colide com a oposição frontal dos sindicatos, incluindo o reformista CFDT, e a oposição da esquerda e da extrema direita.
Sua primeira tentativa, em 2019 e 2020, também gerou protestos massivos nas ruas, mas o líder de 44 anos, que fez dessa reforma um de seus cavalos de batalha, chegou a ameaçar dissolver a Assembleia e convocar novas eleições se não for aprovada agora.
O uso desses poderes constitucionais também permitiria que membros da oposição apresentassem moções de desconfiança, o que grupos de esquerda e de extrema direita no Parlamento já prometeram fazer.
Mas Ollion diz que o risco de um colapso do governo é relativamente limitado, pois a principal oposição de centro-direita parece relutante em participar de uma moção de desconfiança e porque a esquerda e a extrema direita parecem não querer apoiar uma à outra.