Dois líderes nacionalistas de direita, acossados por críticas internacionais e polêmicas domésticas, reúnem-se para discutir temas mais agradáveis: acordos econômicos e de cooperação.
Jair Bolsonaro chega nesta sexta-feira (24) a Déli, onde se encontrará no dia seguinte com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e anunciará quase 20 acordos bilaterais.
O clima de empatia entre o presidente e o premiê contrasta com o momento recente que cada um dos líderes atravessa.
Modi estampa a capa desta semana da revista britânica The Economist, com o título "Índia intolerante: como Modi está colocando em perigo a maior democracia do mundo".
As críticas são decorrentes da onda de protestos após a aprovação, em dezembro, de uma lei que facilita a obtenção de cidadania para imigrantes de Paquistão, Bangladesh e Afeganistão — desde que não sejam muçulmanos, o que foi visto como discriminatório e mais um passo no projeto de dominação hindu do premiê.
Já Bolsonaro, nas últimas semanas, teve que lidar com um agora ex-secretário imitando o discurso do nazista Joseph Goebbels, um ministro da Educação às voltas com erros no Enem e tensões com Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública — sem contar o rescaldo das críticas internacionais à política ambiental de seu governo.
Em Déli, nada disso estará na agenda. Para Modi e Bolsonaro, será uma bênção mudar de assunto.
Os dois se encontrarão no palácio presidencial Rashtrapati Bhavan, no sábado (25), para uma série de reuniões. No mesmo dia, Bolsonaro depositará flores no Memorial de Mahatma Gandhi, líder pacifista e um dos fundadores da Índia moderna.
Acompanham o presidente brasileiro uma comitiva de sete ministros, o assessor internacional Filipe Martins e legisladores, entre eles o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
O principal anúncio será o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, que dará mais segurança jurídica ao investidor indiano no Brasil — e ao brasileiro na Índia.
Hoje, há US$ 6 bilhões (R$ 25 bilhões) em investimentos indianos no Brasil, e apenas US$ 1 bilhão de aportes brasileiros na Índia, segundo o governo indiano.
Também será assinado o acordo de Previdência, que permite a executivos contabilizar o tempo que trabalharam fora do país em suas aposentadorias. Para as empresas, a alteração eliminará a dupla contribuição previdenciária.
— Essa aproximação demonstra que o governo Bolsonaro tem optado pelo pragmatismo com países fora do eixo tradicional, como China e Índia, ao contrário do que se esperava, por causa de suas declarações iniciais — diz Karin Costa Vazquez, diretora do centro de estudos africanos, latino-americanos e caribenhos na O.P. Jindal Global University, na Índia.
— Além disso, para os dois líderes, alvos de críticas, focar a agenda econômica é um porto seguro — completa.
No domingo (26), Bolsonaro será o convidado de honra do desfile do Dia da República, que comemora a entrada em vigor da Constituição indiana. A mudança, em 1950, marca a transição completa do país para uma democracia após a independência da Grã-Bretanha, em 1947.
Trata-se de um evento grandioso num dos principais bulevares da capital indiana e reúne milhares de pessoas, com direito a tanques, camelos e caças.
Os últimos líderes brasileiros a receberem esse convite foram os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, e Fernando Henrique Cardoso, em 1996.
O convite a Bolsonaro, porém, não foi bem recebido por alguns setores da sociedade indiana. Ativistas e entidades de esquerda afirmam que um líder com histórico de declarações homofóbicas não deveria merecer tal honra.
Produtores de açúcar também protestaram, afirmando que o Brasil tenta acabar com o sustento desses agricultores.
Ao lado da Austrália, o governo brasileiro lidera um processo na Organização Mundial de Comércio para questionar os subsídios que a Índia dá aos produtores de açúcar, uma vez que a ajuda gera superprodução do item e provoca depressão dos preços mundiais da commodity.
Na viagem, ainda será assinado um acordo de cooperação para produção e uso do etanol no mercado indiano, o que pode aliviar as distorções causadas pelos subsídios ao açúcar, segundo Eduardo Leão de Sousa, diretor-executivo da Única, representante dos produtores de etanol e açúcar no Brasil.
A ideia é que mais países passem a produzir etanol, para que o produto se torne uma commodity, ampliando o mercado e reduzindo a grande produção indiana de açúcar.
Para a Índia, que importa 84% do petróleo que consome, seria uma forma de reduzir a dependência de combustíveis fósseis.
— O momento é perfeito para voltarmos a promover a globalização do etanol, principalmente na Ásia, onde países como a Índia enfrentam enormes níveis de poluição —diz Sousa.
A meta do governo brasileiro é diversificar exportações brasileiras para a Índia, hoje muito concentradas em petróleo (35% das vendas de janeiro a novembro do ano passado), óleo de soja (10%) e açúcar (8,9%).
No ano passado, o Brasil teve déficit comercial de US$ 1,49 bilhão com a Índia, após um pequeno saldo positivo de US$ 246 milhões em 2018. Em 2019, o país exportou US$ 2,76 bilhões e importou US$ 4,25 bilhões, principalmente em produtos químicos, inseticidas, combustíveis e medicamentos.
No último dia da visita, na segunda (27), Bolsonaro abrirá o seminário empresarial Índia-Brasil. De lá, o presidente vai para Agra conhecer o Taj Mahal, o monumento mais famoso da Índia.
Trata-se do mausoléu construído a pedido do imperador Shah Jahan para abrigar o túmulo de sua esposa favorita, Mumtaz Mahal.
Agenda de Bolsonaro na Índia
Sábado (25)
- Recepção de manhã pelo ministro das Relações Exteriores Subrahmanyam Jaishankar e cerimônia no Memorial Mahatma Gandhi
- À tarde, encontro e almoço com o premiê, Nahendra Modi
- Reunião com o vice-presidente, Venkaiah Naidu, e o presidente, Ram Nath Kovind -o brasileiro participa de banquete
Domingo (26)
- Cerimônia do Dia da República
Segunda-feira (27)
- Café da manhã com empresários
- Visita ao Taj Mahal, na cidade de Agra, e retorno ao Brasil