— Alemão, gringo (americano), russo? — pergunta o motorista.
— Brasileiro — respondo.
— Hum… O presidente brasileiro é nosso inimigo — ele diz.
Assim foram as boas-vindas a Caracas, no início da manhã desta sexta-feira (25). O motorista José Fonseca, 72 anos, tem dificuldade para fazer pegar o motor do carro, com duas décadas de uso.
— Estava sem passageiro há oito horas. Ninguém quer vir para Caracas — desculpa-se, na frente do Aeroporto Simón Bolívar.
De fato, os corredores do aeroporto estão vazios. O voo entre a Cidade do Panamá e Caracas tinha menos da metade da cabine ocupada. A companhia decidiu atrasar a decolagem em quatro horas.
A explicação oficial veio pelos alto-falantes: "Problemas políticos e sociais na Venezuela". Em seguida, funcionários explicaram que, por razões de segurança, a empresa decidiu que o pouso só ocorreria ao amanhecer.
— Queremos evitar que o avião pouse durante a madrugada e que os passageiros tenham de sair a essa hora — disse uma representante da empresa.
A recepção na imigração é tensa. As duas primeiras perguntas ao visitante são: profissão e o que veio fazer na Venezuela. Nesta ordem.
Na saída, encontro José Fonseca, que oferece o serviço de deslocamento entre o aeroporto, na localidade de Maiquetía, e Caracas por US$ 20. Depois do diálogo inicial, em que ele derrama-se em críticas ao presidente Jair Bolsonaro, Fonseca sentencia:
— Nicolás Maduro é nosso presidente. Não sei por que Brasil está do lado errado.
— E Juan Guaidó? — questiono sobre o presidente da Assembleia Nacional que se proclamou chefe de Estado na quarta-feira.
— Esse senhor apareceu do nada, ninguém sabia quem era — diz Fonseca.
As primeiras impressões da Venezuela, país que tem dois presidentes neste momento – Guaidó e seus apoiadores, entre eles EUA e Brasil, e Maduro, aliado de China e Rússia – é de tensa calma. As lojas fecharam antes do habitual na tarde de quinta-feira, temendo saques.
Na madrugada, cacerolaços (panelaços) foram ouvidos nos bairros mais pobres, até pouco tempo base de sustentação de Maduro. Um artefato foi jogado contra o estacionamento da chancelaria.
Maduro deu um ultimato de 72 horas para que a embaixada americana seja fechada em Caracas e os diplomatas deixem o país – o prazo vence no domingo. Já Guaidó não se sabe onde está. Na noite de quinta-feira, ele concedeu uma entrevista à emissora Univisión, durante a qual sugeriu que poderia anistiar Maduro e seus ministros, se eles abrirem mão do poder. Foi sua primeira aparição desde a autoproclamação do governo paralelo, na quarta-feira.
Guaidó tem usado o Twitter para agradecer aos apoios de líderes e organizações mundiais. Durante a madrugada, ele enviou uma série de quatro mensagens, nas quais pede que os funcionários venezuelanos dos consulados nos EUA mantenham suas posições. É um apelo contra a ordem de Maduro para que fechem as representações, como parte do rompimento das relações diplomáticas.
O primeiro sinal da crise econômica aparece para quem chega na cidade dos carros enfileirados em frente ao aeroporto. A maioria é velha, como o de Fonseca, cuja lataria está carcomida pela ferrugem. A impressão é de que voltou três décadas no tempo.
O motorista diz ter medo de que o impasse culmine em uma guerra civil.
— Porque Donald Trump está com Guaidó — diz ele. — Mas temos China e Rússia do nosso lado.
Fonseca imagina que, se o impasse político continuar, o governo americano pode orquestrar uma invasão sigilosa da Venezuela para prender Maduro e levá-lo para os Estados Unidos.
— Como fizeram com Noriega — comenta, referindo-se à invasão do Panamá, em 1989, pelo americanos para derrubar o presidente Manuel Noriega do poder.
Mas na Venezuela, afirma, o destino será diferente.
— Vão levar chumbo — garante.