O trabalho da cirurgiã plástica Jeanine Marques Ayub é investigado pelo Conselho Regional de Medicina do RS e pela Polícia Civil. Queixas sobre possíveis problemas em cirurgias realizadas pela profissional são apurados pelos dois órgãos.
Durantes dois meses, o Grupo de Investigação (GDI) do Grupo RBS conversou com pacientes que alegam ter tido problemas após operações feitas pela médica. Em entrevistas, mulheres ouvidas na Região Metropolitana, no Litoral Norte, no Vale do Taquari e na Fronteira Oeste relatam procedimentos feitos sem terem sido combinados, abandono da profissional após as cirurgias, extensas cicatrizes e próteses de silicone que se movem pelo corpo.
São depoimentos como o da representante comercial Desirèe Seindenkranz, 49 anos. Ao acordar na sala de recuperação do Hospital Dom João Becker, em Gravataí, ela sentiu um desconforto nos olhos, pois tinha acabado de passar por uma blefaroplastia — cirurgia plástica para tratar o excesso de pele das pálpebras. O susto veio no segundo seguinte, quando sentiu dores nos seios. Sem autorização da paciente, a responsável pelo procedimento mexeu também nas mamas de Desirèe, sob a justificativa de corrigir um procedimento anterior. Essa era a segunda vez que a moradora de Tramandaí se submetia a uma cirurgia plástica sob os cuidados de Jeanine.
— As pálpebras ficaram para uma segunda ocasião, onde ela voltou a mexer nos meus seios que já tinham sido operados em uma mastopexia (redução das mamas) _ recorda Desirèe.
Preocupada, a moradora do Litoral Norte procurou ajuda de um outro médico. Na consulta, Desirèe descobriu que tinha recebido próteses de silicone de 145 mililitros, colocadas sem qualquer combinação. Como sua cirurgia tinha sido para reduzir as mamas, descobrir que tinha próteses foi um susto. Atualmente, a mulher sente dores nos seios, afirma ter pontos que ainda sangram, mesmo cerca de dois anos depois dos procedimentos. As mamas estão disformes, segundo define a paciente.
Márcia Souza de Andrade, 57 anos, também foi operada por Jeanine. Moradora da Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre, ela passou por uma mastopexia (colocação de próteses de silicone) e uma lipoaspiração na região próxima às axilas. A operação também foi no Hospital Dom João Becker, em Gravataí.
— Vivi minha vida, cuidei dos meus filhos e cheguei num momento em que decidi cuidar de mim. Investi as economias que eu tinha nesse sonho — recorda a moradora da Capital.
Hoje, a mulher convive com dores. As próteses, segundo ela, deslizam pela região do peito, sem qualquer fixação. Enquanto a mama direita salta se Márcia abaixa os braços, a mama esquerda se deslocou quase para a axila. Infeliz com a aparência, ela usa sempre um sutiã especial — que deveria ser usado apenas no pós-operatório.
Fico triste de me olhar no espelho. Quase nenhum médico aceita mexer na cirurgia que outro fez. Os que aceitam falam que é necessária uma reconstrução total, que custa mais de R$ 30 mil.
MÁRCIA SOUZA DE ANDRADE
Paciente que passou por uma mastopexia e uma lipoaspiração.
Para a cabeleireira Camila Ester Pereira da Silva, 36 anos, o socorro pós-operatório teve de ser prestado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Com drenos que tiveram problemas, ela não conseguiu atendimento com Jeanine após uma lipoaspiração e uma abdominoplastia. A retirada dos pontos também foi feita por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Hoje, tenho cicatrizes e dores. Foi um abandono de pós-operatório. Tem fios de pontos até hoje no meu umbigo. Quero justiça para reconstruir o que ela me causou.
CAMILA ESTER PEREIRA DA SILVA
Paciente que passou por uma lipoaspiração e uma abdominoplastia.
Inquérito na Polícia Civil
A delegada Tatiana Bastos, da 1ª Delegacia de Polícia Especializada de Proteção à Mulher de Porto Alegre, explica que a Polícia Civil tem inquérito aberto para investigar a conduta de Jeanine com suas pacientes. Oito mulheres procuraram as autoridades para registrar os casos, mas a delegada alerta que há casos anteriores que também já foram apurados e estão em andamento no Judiciário.
— Instauramos o inquérito policial tão logo chegaram os casos. Todos têm relatos semelhantes, com erros médicos, lesões nas pacientes e má cicatrização. Já ouvimos duas vítimas e estamos arrolando as demais — explica Tatiana.
Para dar sequência à investigação, além de ouvir as mulheres, é necessário encaminhá-las para exames periciais:
— A perícia é importante para a prova da materialidade dos acontecimentos. É importante que as vítimas tragam boletins médicos e imagens que a gente consiga levar no dia do exame do corpo de delito, para que conste no relato.
Sindicâncias no Cremers
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) não especificou quantas denúncias relacionadas à médica já foram registradas na entidade. "O Cremers, sendo órgão que investiga e julga, tem algumas limitações impostas por lei sobre o que pode ou não divulgar, por dois motivos principais: não incorrer em pré-julgamento e não causar a nulidade do processo", explicou em nota a assessoria de imprensa do conselho.
A entidade confirmou que "as sindicâncias da médica Jeanine Marques Ayub estão em fase de instauração". E segundo o código de processo do Cremers, o prazo para apreciação de sindicância é de 90 dias, "podendo ser estendido por mais 90 dias, se necessário".
Contrapontos
O que diz o advogado Carlos Reverbel, advogado de Jeanine Marques Ayub
Conforme Reverbel, a médica diz que ela já realizou mais de 1,3 mil cirurgias, não tem condenações na Justiça e está com o registro no Cremers em dia. Segundo a defesa, 95% das cirurgias realizadas pela médica tiveram resultado satisfatório declarado pelos pacientes.
— A doutora tem consultório, atende sempre no pós-operatório das suas cirurgias. É estranho que somente com estas teve esse problema, porque as demais pacientes estão satisfeitas — afirma o advogado.
Reverbel disse ainda que a médica está sendo vítima de represálias por parte das pacientes, e que moveu contra elas ações na Justiça por calúnia e difamação. Segundo um inquérito apresentado pela defesa, uma ex-secretária de Jeanine roubou um celular e um notebook do consultório onde ela atendia em Tramandaí, no Litoral Norte. E, com acesso aos dados nestes equipamentos, teria criado grupos com as pacientes para difamar a médica.
— Então eu entendo que teria os dois pontos, tanto a ideia de se tentar algum dinheiro, extrair algum dinheiro da doutora Jeanine, como também uma insatisfação pelo resultado da cirurgia, que, para essas pacientes, elas entendem que não é o melhor resultado do mundo. Agora, é interessante relatar que elas fizeram outras cirurgias e isso que precisa ser verificado, se foi realmente a cirurgia da doutora Jeanine ou se foram outras cirurgias realizadas, inclusive pelo SUS, porque muitas dessas cirurgias eram reparatórias, não eram estéticas — diz Reverbel.
O que diz Hospital Dom João Becker
O GDI procurou o hospital citado por algumas pacientes, mas a instituição disse que não irá se manifestar em razão de a profissional já estar respondendo na Justiça por reclamações de pacientes. "Por conta do processo em andamento, o Dom João Becker reserva o direito de manifestações externas para os agentes dos fatos nas devidas esferas competentes."
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