Quartos sem janela, pouca iluminação e com falta de circulação de ar. Corredores sem a largura exigida, escadarias fora dos padrões prejudicando o acesso às portas de saída no caso de emergências. Muita infiltração. Problemas estruturais e elétricos graves. Ambientes sujos, presença de insetos, principalmente baratas. Cozinhas em estado precário, com excesso de gordura e sujeira, fiação elétrica exposta, tomadas expostas, com fogões velhos e em bancadas de madeira. Teto de isopor.
O cenário descrito é o que foi encontrado em unidades da Pousada Garoa, em Porto Alegre, durante vistoria de equipes da prefeitura de Porto Alegre em maio, dias depois do incêndio em que morreram 11 pessoas em uma unidade no centro da cidade. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) teve acesso ao relatório das visitas.
O documento mostra que, ao contrário da defesa que a prefeitura fez das condições das pousadas depois do incêndio de 26 de abril, os imóveis são precários e apresentam riscos à vida dos moradores. As visitas foram feitas por uma força-tarefa do Executivo municipal entre 29 de abril e 3 de maio. De 23 unidades, apenas cinco não foram analisadas, entre elas, a que se incendiou, pois o prédio está interditado. O secretário de Desenvolvimento Social, Jorge Heleno Brasil, disse que, em virtude das vistorias, a prefeitura não irá renovar o contrato com a rede de pousadas.
Os registros indicam que, até a ocorrência do incêndio, a prefeitura desconhecia detalhes das más condições dos estabelecimentos que ela própria contratou, por intermédio da Fundação de Assistência Social (Fasc), para receber pessoas em situação de vulnerabilidade social. A começar pelo básico item de segurança contra incêndio:
"Os extintores encontrados estavam na maioria vencidos ou em quantidade insuficiente para uso em caso de fogo", diz o documento.
O relatório atesta que a maioria dos endereços visitados tem "inconformidades ligadas às condições higiênico-sanitárias precárias de salubridade e habitabilidade, de acordo com as legislações vigentes, com riscos à saúde e à segurança das pessoas. Diante de não conformidades identificadas, a vigilância sanitária lavrou notificações". Diz ainda que, em função do risco à saúde e segurança, cinco estabelecimentos sofreram interdição cautelar e sumária.
Depois do incêndio, moradores relataram deficiências das condições, faltas de janela, precariedade em instalações elétricas, umidade, infiltrações. Léo Voigt, então secretário do Desenvolvimento Social, garantiu que, para a pasta, a Pousada Garoa operava de forma "totalmente regular". Antes de deixar o cargo, em entrevista ao programa Bom Dia Rio Grande, da RBS TV, Voigt comparou as condições das pousadas com as residências dos porto-alegrenses e defendeu serem dignas:
— Barata e rato têm no entorno das nossas casas todas. Para a assistência social, as pousadas eram vistoriadas e as condições eram dignas, corretas e adequadas. As pessoas saíam das circunstâncias de rua e iam para um espaço individual com quarto exclusivo, banheiro e cozinha compartilhada. Nesse lugar, elas tinham liberdade e autonomia de horários e frequências, inclusive o uso de vícios, e por isso havia grande adesão. Não era que nós convivíamos com algo intolerável, nós vistoriávamos e encontrávamos as condições mínimas necessárias para poder abrigar — afirmou Voigt.
Ao longo do relatório de vistoria, há mais considerações sobre as péssimas condições:
- Padronização interna dos ambientes intitulados "quartos" com divisórias em madeira, portas com cadeados, maioria dos quartos sem iluminação e/ou ventilação precária, corredores muito estreitos nos quais muitos deles somente passa uma pessoa por vez.
- Em uma parte das pousadas a quantidade de banheiros é insuficiente para o número de residentes e, também, em sua maioria sem manutenção preventiva, com descarga estragada e em más condições higiênico-sanitárias.
- Alguns locais apresentaram inclusive reservatório de água parada, o que caracteriza um risco de proliferação de mosquito e dengue.
- Constatou-se descaso com os ambientes das unidades da Pousada Garoa e com os moradores do local.
Trecho do relatório também faz um comparativo entre imagens usadas pela rede de pousadas em propagandas e foto captadas dentro os imóveis. Quanto a questões administrativas, foi registrada a falta de recepcionistas na maioria dos endereços e que, onde havia algum funcionário, este informou não ter vínculo empregatício.
Nas considerações finais, a equipe escreveu que por causa das fragilidades encontradas, a sugestão era a de elaboração de legislação municipal regulamentando "as condições mínimas higiênico-sanitárias e de habitabilidade". Também foi destacada a necessidade de ser revisto o grau de risco da atividade "pensões-alojamentos", hoje enquadrada em nível I. Nesse grau, há dispensa a solicitação de qualquer ato público para a liberação, conforme previsto em decreto municipal.
O que diz Léo Voigt, então secretário de Desenvolvimento Social
De fato, a vistoria nos 24 endereços da Pousada Garoa por mim instaurada na SMDS, com representantes de diferentes órgãos municipais, constatou, para nossa surpresa, que várias unidades deveriam ser alvo de readequações e algumas, inclusive, interditadas por risco diante de um incêndio. Não era o caso da unidade da Farrapos, que foi alvo de um crime e possuía relatório atualizado de vistoria.
A política pública é um processo permanente de aperfeiçoamento; não recomendaria a descontinuidade dos serviços e sim um Termo de Ajustamento de Conduta à PMPA e a empresa Garoa. A extinção dessa oferta significará que centenas de pessoas abrigadas retornem a viver nas ruas e aqueles que nela estão, não serão acolhidas. Além de se retirar uma importante oferta do sistema de Assistência que é sempre insuficiente perante a demanda. Já houve recente manifestação pública dos residentes reivindicando a permanência dos serviços.
Sobre salubridade, há que levar em conta que a Pousada não tem serviço de camareira. O residente é responsável por seu quarto, dele possuindo a chave; muitas vezes desenvolve no seu interior atividades de sustento econômico como triagem de materiais.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre:
O secretário de Desenvolvimento Social, Jorge Heleno Brasil, disse que a intenção das vistorias foi identificar onde estavam as vagas usadas pela prefeitura e buscar minimizar riscos. Segundo ele, as vagas já estão sendo reduzidas. Hoje, o total seria de 66. Em abril, quando ocorreu o incêndio, eram 308.
Sobre as vistorias que a prefeitura deveria fazer nas pousadas não terem identificado os problemas antes de o incêndio ocorrer, Brasil disse que isto está sendo apurado em um procedimento sumário, que não foi concluído por causa da enchente. Segundo ele, será verificado se o trabalho ocorria como deveria.
O secretário destacou ainda a dificuldade de fazer com que a população de rua tenha adesão aos serviços oferecidos pela Fundação de Assistência Social (Fasc). O secretário declarou ainda que a prefeitura não irá renovar o contrato com a rede de pousadas.
O que diz Andre Luis Kologeski da Silva, dono da rede de pousadas:
Até a publicação da reportagem, o proprietário da pousada não havia retornado os contatos.
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