O Departamento de Auditoria do SUS (DEASUS), órgão da Secretaria Estadual de Saúde (SES), anunciou na manhã desta quinta-feira (27) a abertura de apuração administrativa para checar irregularidades em cobranças de valores de pacientes no município de Nova Hartz, na Região Metropolitana.
Reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) mostrou que os usuários do SUS na cidade, quando necessitam de serviços da atenção secundária, como exames e consultas com especialistas, recebem guias de encaminhamento da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Nova Hartz para clínicas privadas e precisam desembolsar valores. Foram flagrados casos de tomografia por R$ 270 e atendimento de neurologista por R$ 220, entre outros. Por lei, o atendimento no SUS é inteiramente gratuito. É vedado instigar, orientar ou pressionar o usuário a aderir a meios em que ele precise fazer pagamentos.
— Identificamos que é caso de possível infração administrativa. Estamos abrindo processo de auditoria para avaliar a situação. Não parece ser o caso de um paciente que teve cobrança, mas sim um procedimento adotado no âmbito do SUS, o que é vedado pela lei — diz Bruno Naundorf, diretor do DEASUS.
A auditoria tem caráter administrativo, com direito à ampla defesa, e prazo de 60 dias, prorrogável por igual período. Respondem tanto a administração pública quanto os prestadores de serviços privados que eventualmente cometeram irregularidades. O setor de auditoria conduz o processo e, ao final, emite uma decisão. Entre as penalidades previstas, estão advertência, multa e devolução do valor indevidamente cobrado (veja detalhes abaixo). Em casos mais graves ou reincidentes, pode ocorrer a suspensão de repasses de recursos do Estado e a exclusão do SUS.
A reportagem do GDI mostrou que pacientes de Nova Hartz, após obterem laudo do médico da cidade para realização de exame ou consulta com especialista, recebiam um carimbo de autorização da SMS para atendimento em pelo menos nove clínicas privadas por um suposto convênio. Não havia contrato. O município fazia indicações de forma direta e informal para os estabelecimentos, que exigiam desembolso do paciente. Havia até tabela de preços dentro da SMS de Nova Hartz. Naundorf menciona que as práticas podem ter ferido uma legislação estadual, além da norma federal.
— A lei (11.867/2002), que regulamenta o processo de auditoria no SUS, coloca que é uma infração a cobrança ao usuário. Inclusive a ameaça de cobrança é uma infração punível com advertência e multa. Obstaculizar o acesso do paciente ao sistema, seja por uma obrigação de ter de fazer um pagamento ou qualquer outra que dificulte, também é uma infração contra o SUS que precisa ser apurada — afirmou Naundorf.
Até a publicação da reportagem do GDI, a situação de Nova Hartz não era de conhecimento da SES. Naundorf afirma que, em levantamento parcial, foram constatadas as aberturas de nove auditorias especiais no departamento, desde 2022 até o momento, para apurar cobranças indevidas de usuários do SUS. Esses casos ocorreram em todas as sete macrorregiões de saúde do Rio Grande do Sul.
Ressarcimento do usuário
A mesma legislação estadual que configura a cobrança do paciente como infração também prevê que os lesados pelas práticas devem ser ressarcidos. Isso pode acontecer por ato espontâneo dos auditados, seja o poder público ou o prestador privado. A devolução, neste caso, pode ser feita diretamente ao cidadão.
— Isso pode servir como atenuante dentro do processo (de auditoria), a devolução feita pela entidade que gerou a cobrança — destaca Naundorf.
Ele afirma que, na maioria dos casos em que a conduta irregular fica comprovada, os auditados fazem a opção pelo ressarcimento espontâneo.
Se isso não acontecer, a possibilidade de reembolso do cidadão depende do término da auditoria. Caso fique comprovada a ilegalidade, o infrator é condenado administrativamente a fazer a reparação aos lesados. Em caso de descumprimento da decisão, o DEASUS pode reter valores que os infratores tenham a receber do SUS. Se não houver, a opção é inscrever o condenado em dívida ativa, com ação judicial de cobrança movida pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Depois de recuperadas as cifras, é feita a reparação do paciente. Constando em dívida ativa, os estabelecimentos ficam impedidos de emitir a certidão negativa de débito para firmar contratos e convênios com o Estado.
A lei também criou um fundo em que são depositadas as multas aplicadas pelo DEASUS por condutas inadequadas. O recurso das sanções, gerido pelo Estado, eventualmente pode ser usado para reembolsar a vítima de cobrança indevida, diz Naundorf. Os valores, em geral, são aplicados em campanhas de orientação e capacitações profissionais.
Ele destacou que as filas do SUS não justificam o direcionamento de pacientes para a rede privada com a imposição de custos.
— A cobrança no SUS não pode acontecer. É o ponto principal que temos de ter bem claro. Quando acontece, o papel da auditoria é fazer a mudança do procedimento para que não se repita — afirma Naundorf.
Denúncias podem ser encaminhadas ao DEASUS pelo endereço eletrônico saude.rs.gov.br/ouvidoria.
— Não temos registro no sistema público de que esse paciente pagou (no privado). Se o paciente não nos trouxer a demanda, dificilmente saberemos que aconteceu. Precisamos que o cidadão lesado nos traga a demanda da cobrança indevida, preferencialmente com documento comprobatório, como o Pix, o depósito, a nota fiscal — ressalta Naundorf.
O diretor comenta que, quando finalizadas as apurações e constatadas irregularidades, os relatórios são enviados ao conhecimento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal para eventuais ações complementares nas áreas cível e criminal.
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