A decisão judicial que autorizou a realização da Operação Capa Dura, para investigar supostos delitos de fraudes licitatórias e associação criminosa na prefeitura de Porto Alegre, na terça-feira (23), narra a possível existência de crime de lavagem de dinheiro que teria sido cometido pelos investigados.
O despacho detalha que a Polícia Civil identificou compras de bens móveis e imóveis de alto padrão feitas pelo empresário Jailson Ferreira da Silva em períodos coincidentes com os pagamentos da Secretaria Municipal da Educação (Smed) pelos livros adquiridos junto à editora Inca Tecnologia de Produtos e Serviços. Essa empresa é representada por Jailson e fez quatro vendas de publicações didáticas e literárias à Smed.
A quinta venda sob investigação foi feita pela Sudu Inteligência Educacional, mas essa empresa foi igualmente representada por Jailson no negócio e os exemplares fornecidos também são da Inca. No total, estão sob investigação a aquisição de 544 mil livros por cerca de R$ 34 milhões. Os fatos aconteceram em 2022. O empresário foi um dos quatro presos temporariamente na terça-feira pela Operação Capa Dura.
Em relação a Jailson, o despacho judicial menciona que a investigação identificou indícios de que o suspeito realizou aquisições patrimoniais de veículos de luxo e de bens imóveis de alto padrão, justamente no mesmo período da liquidação e dos pagamentos dos bens decorrentes das supostas fraudes licitatórias. A decisão é assinada pelo juiz Orlando Faccini Neto, da 1ª Vara Estadual de Processo e Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro.
O magistrado citou um relatório de investigação juntado ao inquérito que faz alusão ao patrimônio adquirido pelos investigados após constatadas as presentes irregularidades e possíveis fraudes. Ou seja, há mais suspeitos que não foram nominados no despacho, mas que também adquiriram bens nos períodos da consumação das supostas irregularidades, além de Jailson.
Embora a Operação Capa Dura tenha foco nas cinco compras de livros, a decisão judicial confirma que, no total, são 11 aquisições por adesão à ata de registro de preço sob investigação em outros inquéritos — além de livros, envolvem suspeitas sobre kits de robótica, equipamentos digitais, brinquedos e materiais esportivos.
A adesão à ata de registro de preço é um instrumento conhecido como “carona”, por acelerar o gasto público. Nesta modalidade, é possível aproveitar a licitação realizada por outro ente público para fazer uma aquisição. Entre junho e agosto de 2023, reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelaram que os processos administrativos que avalizaram as caronas foram feitos diretamente com propostas comerciais das editoras, a Inca e a Sudu, em possível direcionamento.
A decisão judicial menciona que os processos administrativos de compra da Smed reproduziram trechos de materiais de propaganda da Inca e da Sudu nas justificativas para assinatura do contrato, em sinalização de possível fraude.
O magistrado justificou as quatro prisões temporárias com os indícios colhidos na investigação de suposta combinação de versões e destruição de provas entre os suspeitos.
Presos podem ser soltos na quinta-feira
O prazo da prisão temporária é de cinco dias, mas Faccini Neto fixou o tempo de restrição de liberdade em três dias. Foram detidos, além de Jailson, a ex-secretária da Educação Sônia da Rosa, a ex-assessora técnica Mabel Luiza Leal Vieira e a ex-coordenadora pedagógica Michele Bartzen. Com a fixação da prisão em três dias, os quatro terão de ser soltos até o final de quinta-feira (25), salvo alguma prorrogação da temporária ou conversão em prisão preventiva — sem prazo de encerramento.
Oito pessoas foram afastadas das funções públicas pelo prazo de 180 dias. As três detidas — Sônia, Mabel e Michele — estão nesta lista de afastados, junto do secretário extraordinário de Modernização e Gestão de Projetos, Alexandre Borck. Ele é presidente do MDB de Porto Alegre, o mesmo partido do prefeito Sebastião Melo.
O juízo também concedeu o afastamento das funções públicas das servidoras Cláudia Gewehr Pinheiro, Camila Correa de Souza, Patrícia Pereira da Silva e Anelise Nardino, todas com atuação na Smed à época dos fatos investigados.
A Operação Capa Dura é liderada pela 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Corrupção (1ª DECOR), do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Contrapontos
A Polícia Civil informou que Michele Bartzen e Mabel Luiza Leal Vieira ainda não constituíram defesa.
A reportagem tenta localizar as defesas de Cláudia Gewehr Pinheiro, Camila Correa de Souza, Patrícia Pereira da Silva e Anelise Nardino.
O que diz Jailson Ferreira da Silva
O advogado José Henrique Salim Schmidt, que representa o empresário, enviou nota na qual diz:
"Toda e qualquer aquisição foi realizada de forma pública. Não há omissão de informações ou mesmo embaraço no acesso às mesmas. Inclusive já prestadas junto ao Poder Legislativo Municipal e estando no aguardo da sua oitiva pela Autoridade Policial".
O que diz Alexandre Borck
GZH contatou a assessoria de Alexandre Borck e enviou pedido de contraponto por e-mail, mas não obteve reposta até a publicação desta reportagem.
O que diz Sônia da Rosa
O advogado João Pedro Petek diz que se manifestará nos autos do processo.
O que disse o prefeito Sebastião Melo
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, se manifestou por meio da rede social X, o antigo Twitter, e reiterou que as investigações sobre as irregularidades começaram na prefeitura. "Nenhuma eventual ilegalidade teve ou terá guarida na nossa gestão. Se comprovados crimes, que os agentes - públicos ou privados - sejam exemplarmente punidos", afirmou Melo.
O que diz a prefeitura de Porto Alegre
A prefeitura de Porto Alegre se manifestou por nota do Gabinete de Comunicação Social:
"Sobre a operação da Polícia Civil na manhã desta terça, 23, a Prefeitura de Porto Alegre reforça que a apuração de ocorrências na Secretaria Municipal de Educação (Smed) iniciou no âmbito Executivo, por determinação do prefeito, em junho do ano passado.
Todas as informações levantadas na auditoria interna foram divididas com os órgãos de controle para aprofundamento das investigações, além da adoção de medidas de reestruturação na operação logística e de aquisições no órgão. A gestão prima pela transparência e lisura na aplicação dos recursos públicos e tem todo o interesse em elucidar os fatos, estando em plena colaboração com as instituições".