A cena de fios cortados caídos pelas ruas, de trânsito interrompido pelos furtos e de quarteirões inteiros às escuras é a parte mais visível do prejuízo causado pelos ladrões de cabos. Só que está longe de ser o único problema causado por essa modalidade de crime. Os ladrões também prejudicam — e muito — os empreendimentos privados e o cotidiano dos moradores, não apenas na esfera pública.
Em uma lancheria do bairro Menino Deus, um cartaz avisava os clientes: "Estamos sem ar-condicionado. Motivo: furto de cobre". O recado chegou a ser colocado para justificar o calor dentro do estabelecimento nos dias mais quentes na Capital. A situação já foi resolvida.
O temor se justifica: no bairro desde 2015, o empresário Cleison Guilherme Tolotti, proprietário do Gelson Lanches, nunca havia sido alvo de ladrões. Só que em 2023 foram cinco casos, sendo o maior problema em fevereiro, quando foram levados 20 metros de uma tubulação de cobre da câmara fria. Não bastasse o prejuízo com o cobre, o motor queimou e o reparo custou mais de R$ 10 mil.
— A mercadoria eu consegui remanejar para outra loja. Se não tivesse essa alternativa, ia perder um monte de carne e queijo.
Com os furtos, alternativas foram adotadas: o motor da câmara fria saiu da parte externa (onde se torna mais eficiente) e passou para dentro do estabelecimento. O empresário também contratou um serralheiro para colocar grades no entorno dos aparelhos de ar-condicionado e tubulação.
Ladrões deixam apartamentos às escuras
Os ladrões também não poupam as moradias. Em meados de abril um ladrão invadiu um edifício na Rua Duque de Caxias, uma das mais antigas e tradicionais de Porto Alegre. Não estava atrás de pertences dos moradores e, sim, da fiação.
O criminoso, flagrado por câmeras de segurança usando roupa xadrez, boné e um saco, furtou três metros de cabos energéticos do prédio e saiu. Deixou 36 apartamentos às escuras.
Para entrar no edifício, ele arrombou grades, quebrou cadeado da CEEE e foi direto aos fios das caixas de energia. Sabia onde estavam localizadas, descreve o zelador do edifício, Carlos Rebelo.
Uma idosa que mora no prédio, que prefere não se identificar, relata que não é a primeira vez que o edifício na Duque de Caxias é alvo de ladrões. Ela reclama que durante um dia inteiro as geladeiras e freezers do prédio ficaram sem funcionar, forçando os donos a enviarem os alimentos para casa de familiares, sob pena de perder tudo.
O prejuízo do prédio foi de cerca de R$ 1 mil, afora os víveres estragados.
No bairro Navegantes, o dono de uma oficina na Rua Câncio Gomes, Evandro de Fraga Dill, ficou vários dias sem trabalhar, porque ladrões levaram todos os cabos de energia do quarteirão. Um prejuízo em termos de iluminação, um transtorno para os donos de veículos que esperam conserto, um dano financeiro irreparável para o prestador de serviço. O irônico é que a maioria dos ferros-velhos que compram fios fica nessa região de Porto Alegre.
"Cobre tem um valor muito grande e existe um crime organizado por trás", afirma especialista
Especialista no assunto, Enio Rodrigues, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel) ressalta que o furto de cabos é um drama nacional.
— O que está acontecendo é que o cobre tem um valor muito grande e existe um crime organizado por trás. Quando você tem um furto mais elaborado, um furto de cabo de vários semáforos, de várias vias públicas, você vê que a coisa é mais orquestrada. Tudo isso vai parar em um ferro-velho, onde o cidadão vende a preço de banana o metal. O ferro-velho, que não tem controle, manda para os laminadores, que derretem e esse produto vai embora.
Quando você tem um furto mais elaborado, um furto de cabo de vários semáforos, de várias vias públicas, você vê que a coisa é mais orquestrada. Tudo isso vai parar em um ferro-velho, onde o cidadão vende a preço de banana o metal.
ENIO RODRIGUES
Diretor-executivo do Sindicel
Rodrigues informa que a prefeitura do Rio de Janeiro propôs uma lei pela qual a pessoa que fosse vender cobre no ferro-velho deveria deixar o CPF registrado. Uma forma de diminuir o problema. Mas essa lei foi derrubada na Câmara de Vereadores, sob alegação de que a legislação criaria um problema social à população vulnerável, que sequer tem CPF.
— Temos de controlar quem compra, fazer ação em cima dos ferros-velhos, em cima das empresas que reprocessam o cobre. São poucas no Brasil que têm essa capacidade. Tem de se fazer controle muito bem feito nessa cadeia — afirma o especialista.
Rodrigues salienta que os grandes laminadores, que derretem o cobre, estão em Estados das regiões Sul e Sudeste: Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina. Mas pra chegar nele é preciso passar antes pelos pequenos ferros-velhos.
— É muito pulverizado. Com a pandemia houve um pico grande do cobre. Ele saiu de US$ 7, 5 mil a tonelada para US$ 10 mil. Depois deu uma pequena recuada. Não existe perspectiva de redução no preço desse metal — conclui.