O drama virou rotina nas principais avenidas de Porto Alegre, desde o início deste ano. Sinaleiras apagadas, buzinaços, longos congestionamentos, guardas de trânsito atarantados, tentando controlar a impaciência dos motoristas. Pudera. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de Porto Alegre registrou, entre janeiro e abril deste ano, 168 ocorrências de furtos de cabos de cobre, totalizando 11,4 mil metros de fiação subtraída. A quantidade furtada é 35% maior do que a registrada em todo o ano passado, quando foram levados 8,4 mil metros de fios. Em 2021, foram 3,2 mil metros. Ou seja, a intensidade do crime praticamente triplicou em dois anos (256%).
Enquanto isso, o número de detidos no mesmo período aumentou 27%. Quase 10 vezes menos do que a proporção de cabos da EPTC furtados.
Os criminosos levam também cabos de sincronia das sinaleiras, o que inviabiliza a chamada "onda verde" no tráfego. O sinal abre e o motorista tem de parar uma quadra depois, porque a sinaleira seguinte fecha, descreve o diretor-presidente da EPTC, Paulo Ramires.
— Orientamos os guardas para atuarem à noite contra os furtos. Estimulamos denúncias pela população e tivemos de fazer compras emergenciais de cabos — relata Ramires.
A prática em Porto Alegre caracteriza-se pelo furto pequeno, de cerca de 30 metros a 40 metros de cobre por vez, informa a concessionária de energia do Rio Grande do Sul CEEE Equatorial. Em 2022, a empresa amargou 2.381 furtos na Capital, que resultaram em 71,4 quilômetros de cabos ou 26 toneladas do produto levadas, num prejuízo de cerca de R$ 1,7 milhão e 900 mil clientes afetados.
E o fenômeno não se restringe à capital gaúcha. Ao contrário, a subtração de fios é ainda maior no Interior. Rio Grande, no sul do Estado, acumulou 2.731 ocorrências desse tipo no ano passado.
Já no Litoral Norte, os furtos são de porções maiores de fios, com subtração de até três ou quatro quilômetros de cabos por ocorrência e cinco casos por dia, em média. Em 2022, foram registrados 1.763 casos na região, com total de 145 quilômetros de cabos furtados ou 53,7 toneladas do produto, em prejuízo de cerca de R$ 3,35 milhões e 345 mil clientes impactados. O número de furtos é mais do que o dobro do registrado em 2021.
Na tentativa de driblar a ação dos criminosos, empresas têm substituído o cobre por alumínio, que não conduz tão bem a eletricidade, mas assegura redução da perda financeira quando o furto é efetivado.
— Em 2022, 150 quilômetros de cabos de cobre foram substituídos no Litoral — exemplifica Sérgio Valinho, superintendente técnico da CEEE Equatorial, ressaltando que a empresa tem firmado parceria com a Polícia Civil e a Brigada Militar para identificar os criminosos.
Mesmo assim, a situação no setor de energia é desesperadora. No ano passado, cerca de 110 toneladas de cabos foram furtadas da CEEE Equatorial, o que corresponde a prejuízo de cerca de R$ 7 milhões. Isso é significativamente maior do que foi registrado em 2021, quando foram furtadas 51,5 toneladas de fios, numa perda de aproximadamente R$ 5 milhões.
A RGE, outra empresa energética gaúcha, registrou 1.203 ocorrências de furto de fios e cabos, gerando um prejuízo de R$ 860 mil. Em 2022 foram 1.287 ocorrências, que representam R$ 807 mil. De janeiro a abril foram 237 ocorrências e R$ 85 mil de prejuízo.
Telefonia também está no alvo
O furto de cabos e fios sofreu saltos exponenciais e atinge não só o fornecimento de energia (e, por tabela, o funcionamento dos semáforos), mas também a telefonia. Em Vacaria, nos Campos de Cima da Serra, o fone 153 (da Guarda Municipal) não funciona desde novembro de 2022, devido a furto de cabos de telefonia. Isso significa que os moradores não conseguem denunciar problemas enfrentados ou a ação dos próprios bandidos.
— São quatro meses sem reparo. O pessoal reclama, por vezes não entende que o número está desligado, acham que os guardas não atendem. Gera um constrangimento. A alternativa foi disponibilizar um whatsapp para a comunidade — informa Luciano Ramos, comandante da Guarda Municipal de Vacaria, enfatizando que muitas prisões já foram efetuadas.
Residências particulares também são afetadas. Na última sexta-feira (14), criminosos levaram todos os fios de luz de um prédio de classe média alta na Rua Duque de Caxias, no Centro Histórico, em Porto Alegre, a poucos metros do Palácio Piratini e da Assembleia Legislativa. Deixaram 35 apartamentos sem energia, às escuras e com comida estragando nas geladeiras.
No país, alta de 14% em 2022
O fenômeno é nacional. Roubos e furtos de cabos de telecomunicações cresceram 14% em 2022, segundo dados reunidos pela Conexis Brasil Digital (o sindicato das empresas de telefonia e conectividade). Durante o ano passado, foram furtados ou roubados 4,72 milhões de metros. Em todo o ano de 2021, foram 4,13 milhões de metros. Essas ações deixaram pelo menos 7 milhões de clientes sem acesso a serviços de comunicação e, com isso, privados de contato com atendimentos essenciais como de polícia, bombeiros e emergência médica.
A quantidade de cabos telefônicos furtada em 2022 seria mais do que suficiente para cobrir, em linha reta, a distância entre Monte Caburaí (RR), o ponto mais ao norte do Brasil, e Arroio do Chuí (RS), ponto mais ao Sul. O aumento de furtos preocupa o setor e ocorre após queda de 11% nesse tipo de delito em 2021, na comparação com 2020.
O GDI conversou com criminosos, suspeitos de receptação e policiais. Constatou que o furto de fios e cabos virou endêmico, em decorrência do alto preço alcançado pela mercadoria. O cobre, pela alta condutividade elétrica, é o material mais usado pelas empresas de energia e, portanto, o mais visado. Era revendido a R$ 17 o quilo, antes da pandemia. Passou para R$ 40, o quilo, durante a pandemia. Agora está a cerca de R$ 50 o quilo.
Depois de receptado em ferros-velhos, o cobre vai para fundições, onde é transformado em grânulos, para facilitar o transporte. Em alguns casos, vira matéria-prima para peças feitas em metalúrgicas. Em outros, volta a virar fio, só que revendido no Exterior. Muitas vezes, retorna ao Brasil como matéria-prima para eletrônicos ou objetos de metal.
Usuários de crack são os principais autores de furtos de fios em Porto Alegre. Vendem o metal em locais de compra de sucata. Os sucateiros pagam em dinheiro, transformado em droga pelos viciados.
A audácia de alguns criminosos é impressionante. Vídeo obtido pela reportagem (veja abaixo) mostra um ciclista andando em círculos em São José do Norte, no sul do RS. Em determinado momento, ele desce da bicicleta, escala um muro e, em segundos, usa um alicate para cortar um cabo. Imediatamente, as luzes se apagam na rua. Ele sai calmamente para recolher os fios.
Em outros vídeos aos quais a reportagem teve acesso, criminosos são flagrados pendurados em fios, escalando postes e usando medidores de luz como apoio para os pés, inclusive em plena luz do dia, como registram câmeras de segurança — esses, via de regra, são os viciados, que nem sequer se importam de serem observados. Nem enterrar os cabos adianta, já que eles cavam, cortam uma parte e arrancam a fiação.
Outro tipo é o "criminoso profissional", em geral, com conhecimento sobre eletricidade. Ele usa ferramentas apropriadas e, muitas vezes, bobinas para enrolar os fios. Tripula um furgão, para esconder o produto do furto.
Bem mais raro, existe ainda o assalto para levar fios, praticado com violência. O caso mais notório aconteceu há um ano, quando oito assaltantes, com armas potentes e vestidos de vigilantes, invadiram um depósito na Rua Praia de Belas, na Capital, fizeram guardas privados reféns e levaram nove bobinas de cobre gigantes, que ocuparam dois caminhões de médio porte. A carga valia mais de R$ 1 milhão. Os veículos foram identificados e rastreados pela Polícia Civil e, a partir da sua localização, cinco dos suspeitos de envolvimento no roubo foram monitorados e presos. Entre eles, um PM da reserva e um vigilante. O material não foi recuperado.
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