O IPE Saúde está em estado de alerta por causa dos altos gastos com tratamentos oncológicos e pela falta de protocolos que permitam um controle efetivo das cobranças feitas por prestadores de serviços. Em meio a um trabalho de implantação de novas regras, feito desde setembro de 2021, o instituto recebeu em janeiro denúncias de que ao menos três clínicas teriam irregularidades nas faturas.
O Grupo de Investigação da RBS (GDI) apurou que a Artha Instituto de Oncologia Clínica, de Igrejinha, é uma das que estão sob suspeita e já teve as atividades suspensas. Ela cobraria valores de tratamento que seriam, em regra, o dobro dos aplicados por outras unidades.
Enquanto a auditoria que apura a situação não é concluída, a clínica, cujo nome empresarial é E.L.Kunst Serviços Médicos LTDA, está proibida de atender pacientes pelo IPE Saúde desde o dia 1º de março. Se não conseguir justificar as distorções já detectadas, a Artha poderá ser descredenciada. Mas não são apenas os valores excessivos que estão no foco das suspeitas. O instituto também fará um raio x dos tratamentos efetuados para verificar se estavam adequados, ou seja, se todos os casos necessitavam mesmo de determinadas medicações e dos procedimentos realizados e cobrados com valores supostamente acima do mercado.
A Artha é conveniada do instituto há seis anos. A clínica informou ao GDI ter atendido 73 pacientes desde 2021 pelo IPE Saúde, dos quais 57 seguiam em atendimento neste momento. Tratamentos em andamento estão sendo direcionados a outros conveniados do instituto. No ano passado, a Artha cobrou do IPE Saúde R$ 21,6 milhões por atendimentos, dos quais R$ 11,3 já foram pagos. O restante está em revisão.
Os supostos valores excessivos de cobranças não foram detectados pelo sistema do instituto nem mesmo pelo raio x que vem sendo feito. As suspeitas só surgiram a partir de uma denúncia recebida em janeiro.
_ O IPE Saúde, tecnicamente, apresenta falhas de controle, as quais estamos tentando corrigir. Todas as vezes que recebemos denúncias e percebemos inconsistências, iniciamos a correção _ admite o diretor de Provimento de Saúde do instituto, Antonio Quinto Neto.
O GDI obteve dados que estão sendo analisados como indicativo de possível sobrepreço em procedimentos da Artha. Em janeiro de 2021, por exemplo, o custo médio dos tratamentos na Artha foi de R$ 28,6 mil para 39 atendimentos. Este ano, com 14 atendimentos a mais, o valor saltou para R$ 40,3 mil no mesmo mês.
Em outra clínica conveniada, o valor faturado em janeiro de 2021 foi de R$ 8,2 mil para 97 atendimentos. Em 2022, com 26 atendimentos a mais, ou seja, mais do que o dobro do realizado pela Artha, o valor teve queda: passou para R$ 6,4 mil em janeiro. O GDI apurou com o IPE Saúde que a comparação contempla, na média, tratamentos semelhantes, não havendo, portanto, motivo aparente para a discrepância de valores.
Um dos argumentos da Artha para refutar a suspeita de sobrepreço é de que todos os tratamentos passam por autorização prévia do IPE Saúde.
Já o instituto esclarece que libera a Guia de Autorização para o atendimento do usuário, sendo que a partir deste momento, o sistema não possui um controle de eventuais anormalidades sobre a aplicação do tratamento.
_ Supõe-se que o prestador seguirá os protocolos (até começar a implantação de novas regras, havia um manual com recomendações mínimas para tratamentos oncológicos). A autorização é para o tratamento (sem entrar no mérito do que vai ser usado). Se ocorrer alguma discrepância, só será identificada após denúncia ou eventual investigação _ explica Quinto Neto.
Outra surpresa para o IPE Saúde em relação à Artha foi a clínica informar que faz atendimentos em uma unidade em Sapiranga, da qual o instituto desconhecia a existência. Ou seja: não há autorização do IPE Saúde para atendimentos na unidade de Sapiranga, já que não existe convênio formalizado. O GDI fez contato com a unidade de Sapiranga na sexta-feira (25). A atendente informou que há atendimento pelo IPE Saúde, mas que naquele momento, em função do número de consultas autorizadas pelo sistema, esse atendimento só voltaria a ser liberado em março. De qualquer forma, com a notificação do IPE Saúde, a Artha não pode atender em nenhuma unidade.
O IPE Saúde gasta 44% de seu orçamento com tratamentos oncológicos. Em 2020, com 13 mil beneficiários tratando câncer, foram destinados R$ 1 bilhão para a oncologia dentro de um orçamento de R$ 2,5 bilhões.
_ São números estarrecedores. Tem uma coisa esquisita nisso. Esses elementos nos levaram a começar a mexer na oncologia a partir do final de 2020 _ explicou o diretor de Provimento de Saúde.
Outras clínicas também estão sob suspeita, com dados sendo analisados. Mas como as cobranças da Artha foram as que mais se destacaram entre as 92 clínicas conveniadas, a auditoria está focando nela, por enquanto.
Entenda: alerta sobre despesas e falta de protocolos
- A preocupação do IPE Saúde com os gastos oncológicos começou no final de 2020, quando foi detectado que o instituto não tinha protocolos de orientação sobre como os serviços deveriam ser prestados pelos contratados e que o valor das faturas só aumentava.
- Da forma como funcionava, havia brechas para que cada clínica conveniada atuasse de acordo com sua experiência e entendimento de como fazer os tratamentos. Nem mesmo o mínimo que havia de protocolo, como por exemplo, sobre o tipo de remédio a usar em determinado caso, era seguido.
- Com um gasto de R$ 1 bilhão nesse tipo de tratamento - 44% do seu orçamento com apenas um grupo de patologia - naquele ano, o instituto criou um grupo de trabalho para definir protocolos. Foi analisado o período de 2019 até julho de 20121. A partir de setembro do ano passado, as novas regras definidas para permitir maior controle começaram a ser implantadas.
- Há, por exemplo, lançamentos que não coincidem com valores praticados no mercado, segundo o IPE Saúde. Na busca de maior controle e de redução de custos, um dos trabalhos que está sendo feito é o de precificação a fim de tabelar, inicialmente, cerca de 400 medicamentos.
- Conforme o IPE Saúde, entre as medidas que estão sendo adotadas houve ainda a suspensão de novos credenciamentos a partir do segundo semestre de 2021, como parte do planejamento da rede de credenciados, considerando fatores como a distribuição geográfica, incidência oncológica e número de segurados.
Contraponto
O que disse a Artha Instituto de Oncologia Clínica por meio de nota:
A Artha Instituto de Oncologia Clínica foi recentemente surpreendida com a suspensão do seu credenciamento junto ao IPE Saúde, por meio de decisão tomada sem informação específica sobre o que está sendo objeto de auditoria, bem como sem o prévio direito de defesa, ou mesmo um simples pedido de esclarecimentos. Independente disso, cabe referir que a clínica, desde o surgimento da pandemia de covid-19, adota, para todos os seus pacientes oncológicos, sejam de origem particular, planos de saúde privados ou vinculados ao IPE Saúde, os melhores protocolos clínicos internacionais, adequados ao enfrentamento do coronavírus, adotados pela American Society Of Clinical Oncology - Asco, maior referência mundial em oncologia clínica, devidamente corroborados pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Cabe referir que todas as medicações foram previamente solicitadas e aprovadas pelo IPE Saúde, de forma que o referido instituto consentiu com o uso de todas as medicações, sem que a clínica fosse questionada sobre a adoção dos melhores protocolos internacionais em seus pacientes. Em relação ao nosso atendimento dos pacientes do instituto junto à filial de Sapiranga, para a estes proporcionar maior conforto, cabe referir que a matriz da clínica Artha já é credenciada ao IPE Saúde há mais seis anos, de forma que o mero credenciamento de filial se trata de formalização administrativa, cujo procedimento já está em trâmite dentro do próprio IPE Saúde. Ressalte-se, por fim, que a clínica Artha permanecerá com o seu compromisso inabalável de cuidar do paciente em primeiro lugar.