A Polícia Civil de São Paulo capturou na última sexta-feira (24) o chefe da quadrilha responsável pela instalação de uma fábrica clandestina de cigarros paraguaios em São Sepé (RS). A indústria foi desarticulada em 19 de março por agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil gaúcha, em seguimento a investigação feita pelo Grupo de Investigações da RBS (GDI).
A existência da fábrica foi rastreada pelo GDI em conversas com fabricantes clandestinos de cigarros. A informação foi compartilhada com o delegado Joel Wagner, do Deic, que efetuou vigilância e conseguiu surpreender 17 envolvidos na indústria clandestina, dos quais 11 são paraguaios, trazidos de seu país para um trabalho estafante e do qual não têm permissão para sair. Os estrangeiros revelaram ao GDI que eram levados encapuçados até a empresa, situada numa fazenda.
Dos 17, apenas dois continuam presos. Um deles é o gerente da fábrica, o paraguaio Basílio Gonzalez Legal, o outro, um brasileiro que também exercia gerência.
Agora, foi preso em Jardim Taboão, bairro da cidade de São Paulo, o pernambucano Valdir Pedro de Lima, conhecido pelo apelido de Favela. Ele é apontado por paraguaios e brasileiros como o dono da fábrica clandestina de cigarros.
Favela, que não resistiu, estava com mandado de prisão emitido pela Justiça em São Sepé (RS), com base em telefonemas interceptados pelo Deic, com autorização judicial. Nas gravações, ele e funcionários comentam que a fábrica clandestina do Rio Grande do Sul produz por dia, em média, 100 mil carteiras de cigarro (200 caixas). Cada caixa contém 50 pacotes de cigarros, com 10 maços cada um.
No varejo, as 100 mil carteiras produzidas a cada dia pela fábrica clandestina podem ser vendidas no varejo por R$ 350 mil (R$ 3,50 cada maço). Mas os fabricantes não lucram tanto: no máximo, R$ 1 por carteira — o que dá cerca de R$ 100 mil por dia.
Ou seja, a cada dia, faturam dinheiro suficiente para pagar três meses de salário aos 15 operários da indústria clandestina.
DIÁLOGOS EVIDENCIAM OS CRIMES
O promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, conseguiu na Justiça autorização para grampear diálogos dos falsificadores. Em alguns deles, fica evidenciado que os falsificadores de cigarros monitoram atividades policiais para evitar flagrantes.
"Hora de sair, não...As pistas estão cheias de PRF"
Às vésperas do Carnaval, por exemplo, houve uma discussão entre o gerente dos operários na fábrica clandestina, o paraguaio Basílio Gonzalez Legal, e o "patrão" Valdir Pedro de Lima, o Favela.
Um auxiliar brasileiro informou que Basílio e seu grupo de operários paraguaios vão "subir" (voltar ao Paraguai) para folga, no Carnaval. Favela tenta convencê-los a ficar:
Favela — É hora de sair, não. As pistas estão cheias de PRF (policiais rodoviários federais). Não pode perder a máquina, nada de Carnaval. A hora de maior produção é a hora em que eles querem sair? Não é dinheiro, é ética profissional. Fica até dia 25. Precisa plata (dinheiro)? O problema não é plata (dinheiro), é segurança.
"Se der problema, o Comando vai atrás"
Cansado de argumentar com o paraguaio Basílio para que não viaje no Carnaval, o empresário Valdir Lima, o Favela, parte para palavras mais fortes. Ele diz que eventual descoberta da fábrica trará consequências.
— Quer ir, vá embora e não volte. Mas veja bem: se der problema, o Comando vai atrás de você, de sua mulher, dos seus filhos...
A Polícia acredita que o Comando seja a mais importante facção criminal do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
"O negócio é produzir"
Favela fica chateado quando um empregado informa problemas na indústria de São Sepé:
— Tamo (sic) sofrendo com essa máquina velha.
Favela encomenda, então, a vinda de um mecânico especialista do Paraguai.
— Não me traz ajudante, traz cara bom. Nós paga (sic). O negócio é produzir!
Dias depois, o encarregado anuncia que a máquina parou de dar problema.
“Teve dedo duro”
Após a prisão dos 17 trabalhadores da fábrica, Favela questiona o advogado sobre detalhes da ação policial:
Favela: Soltaram os meninos, não?
Advogado: Não soltaram, não, decretaram a preventiva.
Favela: P*** que pariu, é mesmo?
Advogado: Mas eu estou com todos os procedimentos aqui, tá? Consegui pegar do fórum, dois procedimentos para dar uma olhada melhor, tem grampo, tem umas fotos, tem um monte de coisa. Depois aí do outro lá teve dedo duro.
Favela: Que teve, teve, né...
Advogado: Eles falaram aqui, teve um informante.