O delegado Paulo Costa, da Delegacia de Polícia Civil em Montenegro, tomou nesta semana o depoimento de dois empresários gaúchos suspeitos de integrarem esquemas de fabricação ilegal de cigarro. Eles são dirigentes da Botucaraí Fumos, que faz beneficiamento de tabaco para a indústria cigarreira. Reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) publicada em 2 de junho mostrou como criminosos radicados no Paraguai, cansados dos riscos do contrabando, têm montado fábricas clandestinas de cigarro no Brasil.
Eles enviam empregados e técnicos de confiança para o Brasil (inclusive Rio Grande do Sul) e montam indústrias ilegais, abastecidas com fumo brasileiro e tocadas por trabalhadores paraguaios, em regime análogo ao de escravos. Uma fábrica dessas foi desarticulada em dezembro em Montenegro.
Repórteres do GDI se passaram por interessados em montar essas fábricas, as tabacaleras, que produzem as marcas mais baratas consumidas em território brasileiro. As negociações, não concluídas na prática, foram gravadas e mostram que os criminosos decidiram eliminar a etapa mais perigosa do empreendimento, a passagem do produto proibido pela fronteira. Mas segundo a polícia, continua sendo um delito porque não pagam imposto, falsificam marcas e mantêm os empregados.
Um dos gravados pela reportagem é Tales Ellwanger, gerente da Botucaraí Fumos, cujo nome aparece num caderno contábil encontrado na fábrica clandestina de Montenegro. Sem saber que falava com jornalistas, Ellwanger mostrou a indústria e se prontificou a fornecer matéria-prima. O repórter perguntou se poderia entregar tabaco para cigarros paraguaios das marcas Bill e Blitz, que só chegam contrabandeados (e são, portanto, ilegais).
- Sem problemas. Tem nota a tua empresa? Fumo picado só se vende para empresa - perguntou Tales.
Mesmo com resposta negativa, confirmou que forneceria.
- Teu chefe tem de vir conversar, te dou tudo desembaraçado. Tu só entra com caminhão. Tem fumo de R$ 11, R$ 12, R$ 13 o quilo - detalhou.
O repórter questionou.
- Dinheiro e fechou? Não preciso me preocupar com nota?
Tales confirmou.
- O que quiserem, a gente faz.
Ouvido pela Polícia Civil, Tales negou que faça venda de fumo para a fábrica clandestina de Montenegro e disse que sequer sabia da existência da indústria. Negou também vender fumo sem nota. Com relação à reportagem, assegurou que não teria poder para fazer a venda, mas estava negociando. Estranhou que o repórter sabia pouco de tabaco. Falou que eram conversas em tese e teria de passar para o dono da empresa, Sérgio Lawall. Disse também que não indicou Cássio Joel de Lara, o Faísca, para a reportagem (Cássio é o homem que intermediou o contato com fornecedores de máquinas e trabalhadores paraguaios).
O delegado Paulo Costa também ouviu Sérgio Lawall, que negou qualquer prática ilegal. Ele disse que não pode responder pelas promessas feitas por Tales na gravação feita pelo GDI.
O delegado ouviu, por fim, Cássio Joel de Lara, o Faísca. Ele negou ter recebido qualquer orientação dos diretores da Botucaraí Fumos. Ele confirmou ter prometido fumo especial para Bill e Classic, marcas paraguaias ilegais no Brasil. Lara também admitiu ter informado aos repórteres valores de compras de máquinas e a maneira de conseguir turmas de trabalhadores paraguaios para atuar em fábricas.
- É que vendo fumo ao Paraguai e conheço gente lá, poderia intermediar contratação de pessoal de mecânica e eletrônica para fábricas. Mas não prometi nada ilegal.
Máquina usada é possível encontrar no Brasil, mesmo - defendeu-se.
Lara declarou não conhecer pessoas ligadas à fábrica clandestina de cigarro descoberta em Montenegro.
O delegado não estabeleceu prazo para conclusão do inquérito, que investiga falsificação e receptação de cigarros.