O Grupo de Investigação da RBS (GDI) constatou vários indícios de que uma facção criminosa está por trás da fabricação de cigarros paraguaios no Rio Grande do Sul, fenômeno retratado segunda-feira (3) em GaúchaZH.
Comerciantes foram abordados por pessoas desse grupo, com origem no Vale do Sinos, e tiveram as mercadorias verificadas para garantir que só vendessem das marcas ligadas a essa facção.
Os comerciantes foram seduzidos pelo lucro e, quando em dúvida, coagidos a vender as marcas deles. Alguns bandidos se passaram por policiais, para coagir comerciantes.
O GDI entrevistou o dono de um mercado, no Vale do Taquari, que só vende cigarro paraguaio. Ele diz ter sido aconselhado a não vender tabaco legalizado:
— Fiquei sabendo que tinha outros vendendo. Entrei nessa pelo lucro. Ambição do dinheiro. Com cigarro fabricado no Brasil tu ganhas R$ 0,25 por carteira. Paga R$ 7,50 e vende a R$ 7,75. No paraguaio, paga R$ 2,10 pela carteira e vende por R$ 3,50, R$ 4... Tem muita procura. Eu vendia uma caixa por semana, com 500 maços. Pagava R$ 1,1 mil por ela. Chegou um cara oferecendo, peguei. Comecei a comprar. Aí fiquei com medo...O sujeito me disse: "Melhor tu continuar vendendo. É bom para ti. Entenda como quiser". Como já fui assaltado, apesar de estar errado, continuei fazendo a venda. Vai saber? Sorte que não deu coisa pior. Eles só vendem marca paraguaia, em vários lugares da cidade. A cada dia aparecia um entregador diferente. Carro e moto diferente. Dinheiro na mão, nada de crédito. É um esquema muito bem organizado. E não é só aqui. Lá em Tramandaí, no camelódromo, no Centro, tem cigarro empilhado. Quando deu problema, levaram meu cigarro, deu Polícia, apreenderam meu estoque...eu avisei que não queria mais. Eles não voltaram — descreve o comerciante.
O delegado Paulo Costa, que atua na Polícia Civil em Montenegro, corrobora a informação dos comerciantes e diz que investiga o domínio exercido pelas facções na venda de cigarro paraguaio no varejo. O mesmo problema estaria acontecendo em toda a Região Metropolitana. O comércio ambulante de cigarros clandestinos é disputado pelas facções, assim como o contrabando na Fronteira.
Paraguaios na montagem de cigarro falsificado na Europa
A indústria da falsificação de cigarro paraguaio montou esquemas não apenas no Rio Grande do Sul, como revelado pelo GDI em reportagem nesta segunda-feira (3). As fábricas paraguaias vêm sendo implantadas inclusive na Europa, de forma clandestina, inclusive com envio de trabalhadores especializados.
Fui para a Bélgica. Era uma fábrica de cigarro, mas no meio tinha cocaína. Muito grande, muita coisa. Nunca vi tanto euro na vida. Cigarro era só fachada.
SILVIO
Empresário brasileiro radicado há 19 anos no Paraguai
Sílvio (sobrenome não revelado), empresário brasileiro radicado há 19 anos no Paraguai, foi contatado pela reportagem do GDI. Sem saber que falava com jornalistas, ele relatou como trabalha na Europa com montagem de fábricas piratas de cigarro (os chamados "buracos", na gíria do crime).
— Tenho um roteiro para entrar na Europa como turista, gaúcho. É ilegal o esquema. Também pensava que não tinha "buraco" na Europa, mas tem. Nos EUA também, na Rússia, em Dubai, no Japão, na China. O Marcos Feio (outro pirata do cigarro, contatado pelo GDI) veio agora há pouco da Noruega, também tem esquema. É muito rolo por esse mundo (risos). Como faço? Entro como turista pelo Peru, documentação legal, hotel tudo pago, etc, na boa, na manha...aí vou a Barcelona. Fico cinco dias lá, vou para Frankfurt e depois vou à Polônia. É o mais perigoso. Se desconfiar, mandam embora, devolvem. É muito risco.
Sílvio diz que a viagem é "sem frescura" no passaporte. O "pirata" entra nos outros países de forma legal, como turista.
— Fui para a Bélgica. Era uma fábrica de cigarro, mas no meio tinha cocaína. Muito grande, muita coisa. Nunca vi tanto euro na vida. Cigarro era só fachada. Fiquei com medo. Era para ficar seis meses, fiquei quatro e tirei todo o pessoal de lá. Os sócios na empreitada queriam ficar com nosso passaporte, não deixei. Vazei. Se entrego os documentos, eles rasgavam e já era. Ficaram p* da vida, mas aceitaram. Para você ver a sociedade: um francês, um russo, um italiano e um búlgaro. Vê onde me meti? Tá louco... Por isso vim embora. A gente ganha dinheiro, mas é muito sofrimento. Tem de falar inglês, espanhol, outras línguas. Para entrar tem de ser assim mesmo. Os caras têm todo um roteiro, hotel marcado, tudo combinado...
O Observatório Europeu de Comércios Ilícitos, uma organização não-governamental, confirma em recente análise que fabricantes de cigarro clandestinos da América do Sul têm se infiltrado na Europa. Em 2016, a Inglaterra fechou uma indústria pirata em Birmingham que fabricava 35 milhões de cigarros por mês. No mesmo ano, a Espanha descobriu três fábricas clandestinas que fabricavam 36 milhões de cigarros mensais. A Irlanda e a França fecharam estabelecimentos deste tipo em 2018, com a mesma capacidade.