De uma pequena ONG sem fins lucrativos na periferia de São Paulo, com previsão de diretores tirarem dinheiro do bolso para bancar despesas de aluguel, água, luz e telefone, a um grupo que administra contrato de R$ 1 bilhão com a prefeitura de Canoas e ocupa escritórios em uma das áreas mais valorizadas do Brasil, na capital paulista.
Essa é a trajetória do Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp), que teve como primeiro endereço uma sala na sobreloja de um modesto prédio de três pavimentos na Avenida Mateo Bei, no bairro São Mateus, região empobrecida e violenta na zona leste paulistana.
Em meio a uma greve de profissionais de enfermagem, técnicos, farmacêuticos e radiologistas por causa de atraso nos salários pagos pelo Gamp, o Ministério Público Estadual (MP) deflagrou operação na manhã desta quinta-feira (6), na qual solicitou mandados de prisão contra quatro pessoas ligadas a entidade.
Criado como entidade para auxiliar a medicina preventiva em 24 de fevereiro de 2007, o Gamp tinha como objetivos assistência à criança e a famílias carentes, promoção de palestras preventivas, projetos de preservação ambiental e celebração de contratos de gestão com o poder público para implementar programas em unidades de saúde.
A ata de fundação do Gamp registra como presidente da diretoria executiva um motorista e, como vice-presidente, uma costureira. O clínico geral Cássio Souto Santos aparece como médico palestrante.
No ano seguinte, Cássio se candidatou a vereador em São Paulo pelo Partido Verde, ficando na suplência. Em 2009, foi eleito, mas, dessa vez, presidente da diretoria executiva do Gamp. O motorista passou à vice-presidência.
Sucessão entre parentes na presidência do grupo
Em fevereiro de 2011, a ONG alterou seu estatuto para organização social e mudou de nome acrescentando a expressão "Saúde Pública", que não constava no original. A partir daí, ocorreram três sucessivos abandonos no comando do grupo. Em novembro de 2014, Cássio renunciou à presidência, e o eleito foi o sobrinho dele, o universitário Breno Souto Santos.
Em junho de 2015, o Gamp já ocupava nova sede – três sala de 50 metros cada, alugadas em Cotia, na Grande São Paulo, quando o então presidente renunciou. Foi substituido pelo irmão, o também universitário Brayan Souto Santos, responsável por assinar contrato de prestação de serviços de saúde no valor de R$ 1 bilhão com a prefeitura de Canoas.
Um ano depois, o grupo tinha duas sedes: a da presidência, em Cotia, e uma segunda, para a superintendência, em uma torre no Brooklin Novo, luxuoso bairro paulistano, endereço de escritórios de gigantes multinacionais e de suntuosos prédios residenciais, onde o metro quadrado custa R$ 10,5 mil.
Em 2017, todo o comando do Gamp, a presidência executiva e o escritório operacional, se concentrou na mesma torre, mas em salas diferentes. Gastos com aluguel, condomínio, reformas e compra de móveis foram bancados com recursos públicos que deveriam ser aplicados na saúde em Canoas.
Brayan renunciou à presidência em 17 de abril deste ano. No lugar dele, entrou Michele Aparecida da Câmara Rosin, ex-secretária da Saúde do município de Amparo (SP) – onde o Gamp já prestou serviços e é alvo de investigação do Ministério Público de São Paulo e de apontamentos do Tribunal de Contas paulista. Ata de assembleia geral extraordinária do Gamp daquele dia indica que um motorista, primeiro nome a ocupar a presidência, tornou-se diretor administrativo da entidade. Ele segue morando na mesma modesta casa no bairro São Mateus, quando da fundação do grupo, há 11 anos
Contraponto
O Gamp divulgou nota em que informa "que irá se manifestar formalmente assim que os advogados tiverem acesso a todo o teor da investigação do Ministério Público Estadual". No texto, o grupo afirma que "é vítima de um movimento de perseguição política e de empresas contrariadas com o sistema e tem o maior interesse em esclarecer os fatos".