Apesar da orientação do advogado para evitar falar com a imprensa, o padre Evair Heerdt Michels, 46 anos, rompeu o silêncio para se defender das acusações de que armazenava pornografia infantil e de que descumpriu uma determinação da Justiça Federal segundo a qual é obrigado a se manter afastado de locais onde circulam crianças e adolescentes.
No último domingo, o Grupo de Investigação (GDI) da RBS flagrou Michels abençoando crianças ao final de uma missa na Capela do Beato João Schiavo, em Fazenda Souza, o que seria um desrespeito à ordem judicial.
O religioso conversou com a reportagem por telefone na noite de terça-feira (3) e acredita estar sendo vítima de uma confusão desde que seu nome foi incluído num inquérito da Polícia Federal (PF) em 2017. Michels alega que estava investigando o compartilhamento de imagens pornográficas de crianças e, por isso, armazenava o conteúdo num computador para contribuir com denúncias que seriam entregues à polícia.
O material foi descoberto e apreendido pela PF no início do ano passado, durante buscas nas dependências do Colégio Murialdo, bairro São José, em Porto Alegre, instituição onde Michels atuava. As fotos e vídeos levantaram a suspeita de que o padre compartilhava as mídias com outras pessoas pela internet, o que configura outro tipo de crime.
Em depoimento na PF, Michels chegou a admitir que armazenava fotos pornográficas de crianças para uso pessoal, mas posteriormente negou as acusações e citou a suposta investigação que vinha conduzindo de forma privada.
— Eu estava justamente averiguando o que estava acontecendo e fui colocado no meio de uma confusão total — garante.
Questionado sobre o teor da investigação, ele preferiu não dar detalhes.
— Isso é sigiloso, envolve o aspecto da confissão (religiosa), existe o sacramento da confissão, é um monte de coisa envolvida.
Como foi proibido pela Justiça Federal de assumir qualquer cargo em instituições de ensino de crianças e adolescentes ou de circular e participar de eventos ou de qualquer tipo de atividades nas quais há pessoas destas faixas etárias, Michels diz estar vivendo em uma espécie de prisão. Contudo, é veemente ao negar a participação no crime pelo qual é investigado.
— É algo absurdamente, como vou explicar, absurdamente inexistente, um mal entendido total. Hoje (3 ), inclusive, a juíza aqui em Caxias do Sul já arquivou (as acusações), uma parte que estava envolvendo aqui em Caxias, arquivou hoje — defende-se o religioso, citando o arquivamento de uma denúncia de que ele teria abusado sexualmente de uma ex-aluna do Murialdo em Caxias do Sul.
Michels tem os passos monitorados por uma tornozeleira eletrônica e frequenta as igrejas de Fazenda Souza. Contudo, já foi visto em atividades no ambiente escolar do Muriado de Ana Rech, onde atuou até o ano passado.
— Eu não consigo andar na rua, numa missa. Isso abala demais. Estou profundamente abalado. Quando uma pessoa inocente está envolvida nisso, é demais.
"De rezar missa, eu não sou proibido"
Sobre o flagrante registrado domingo pelo GDI na Capela do Beato João Schiavo, Michels admite ter participado da missa na qual havia crianças, mas alega que não prestou atenção no público, pois "não tem como impedir ninguém de entrar na igreja". Ele diz que entende a Justiça, mas vê exagero na restrição de circulação:
— De rezar missa, eu não sou proibido. Mas quando eventualmente rezo, claro que não posso proibir ninguém de entrar na igreja. Eu rezo a missa, apenas isso.
Natural de São Martinho (SC), Michels mora atualmente no Centro de Eventos e Hospedagem Murialdo, no distrito de Fazenda Souza. Ele é auxiliar do pároco Ivo Ballardin e ajuda nas missas de seis comunidades do distrito e da localidade de São Braz. Há 18 anos como sacerdote da congregação Josefinos do Murialdo, já foi diretor do Colégio Murialdo no início dos anos 2000. Também foi grande incentivador de um coral da instituição em Araranguá (SC). O religioso prefere manter discrição sobre a vida pessoal e profissional:
— Eu prefiro, como vou dizer, seguir aquilo que o meu advogado falou. Você não tem que dar satisfação. Eu poderia dar tudo, tranquilamente, mas isso para mim é tão complicado que não sei nem para onde andar.
Sobre o futuro, ele acredita que conseguirá provar a inocência:
— Espero que termine, que seja mostrado o que realmente aconteceu e que possa retomar minha vida. Por que estou parado, estou preso, só quero retomar. Só isso que preciso.