A Polícia Federal parece ter esbarrado numa intrincada rede de negócios suspeitos gerenciados a partir do Leste Europeu. A desconfiança surge com a prisão de três tchecos na quinta-feira (5) em Porto Alegre. Dois dos europeus presos têm antecedentes de crimes internacionais. Um terceiro detido é considerado um poderoso investidor no jogo, com interesse também em pedras preciosas e mercado imobiliário, que seria utilizado para lavar dinheiro obtido ilegalmente com outras atividades. É o que a reportagem de Gaúcha/ZH apurou com fontes da PF e também em um edifício na Rua Vigário José Inácio, no Centro, onde funcionavam quatro empresas pertencentes aos estrangeiros: todas no mesmo prédio e sem funcionários. São apontadas pelos federais como empresas de fachada.
Na operação denominada Multifake, os policiais prenderam três tchecos e um brasileiro e investigam outros dois tchecos. Eles tiveram os imóveis e valores em contas correntes sequestrados, além de veículos apreendidos. O grupo teria transferido R$ 4 milhões da Europa ao Brasil desde 2011, mas a movimentação nas contas deles supera R$ 20 milhões, o que indicaria lavagem de dinheiro.
Um dos presos é Oldrich Lahoda, 60 anos, empresário tcheco apontado pela mídia europeia como grande proprietário de máquinas caça-níqueis naquele continente. Ele atua também no ramo imobiliário e na importação de diamantes e joias feitas de ametistas, cristais, ágatas e outras pedras semipreciosas. Ele é dono de diversas propriedades em Ostrava, na República Tcheca, e faz negócios com o Brasil.
Lahoda, segundo a mídia local, já foi condenado em seu país por contrabando de cigarros e evasão de divisas. Conforme jornais tchecos, ficou foragido 13 anos e acabou preso em 2009. Mesmo depois disso, foi candidato a cargos políticos, sem se eleger. Um site de jornalismo investigativo da Europa, o Watchdog, afirma que Lahoda é investigado por envolvimento em apoio aos rebeldes pró-russos que lutam pela anexação de regiões da Ucrânia à Rússia. Ele teria apoiado financeiramente um consulado da República de Donetsk (enclave pró-russo) na República Tcheca.
Lahoda também é envolvido no mundo das lutas marciais em seu país natal e seria sócio na compra e venda de jogadores de futebol. Um perfil desse empresário, escrito pela revista tcheca Vyznamneo Sobnosti (Personalidades Importantes) afirma que ele comprou dez hectares de terra na cidade de Passo de Torres (SC), alardeando que fará ali um resort com apartamentos junto ao mar. Ele teria planos de fazer o mesmo em Porto Alegre. Isso é investigado pela PF.
Os policiais vão checar ainda se, na exportação de pedras preciosas à Europa, Lahoda cometeu algum crime. Ele reinvestiu o dinheiro obtido na extração mineral no Brasil com aplicações no mercado imobiliário. Será checada possível sonegação no caso das vendas de jogadores e seu possível envolvimento com jogos ilegais.
Outro dos presos é o tcheco Radomir Cesvipa, 54 anos, que seria sócio de Lahoda. Ele já foi condenado em seu país por estelionato. Como funcionário de uma instituição bancária, ele teria aberto conta para empresas fictícias, praticando operações indevidas no valor de aproximadamente US$ 240 mil. Como morava no Brasil na época da condenação, ficou solto enquanto enfrentava demorado processo de extradição. Foi mandado de volta à República Tcheca em 2004 e teve de cumprir lá uma pena de oito anos de prisão.
O terceiro preso tcheco justifica o apelido dado pela PF à operação, Multifake. É que ele usa ao menos quatro nomes, sendo três identidades falsas de brasileiros. Um dos documentos ele usa há pelo menos 20 anos, João Henrique Migreco. Conforme dados fornecidos pela polícia tcheca à PF, na Europa ele já cumpriu pena e foi extraditado da Croácia para a República Tcheca. Não está confirmado o nome tcheco dele. Os crimes apontados são organização criminosa, lavagem de dinheiro, uso de documento falso, falsidade ideológica e prestação de informações falsas para realização de contratos de câmbio. No Brasil nada constava contra ele, até hoje.
Funcionários do consulado tcheco em Porto Alegre estiveram na Superintendência da PF para se inteirar das prisões e auxiliar aos presos.
CONTRAPONTO
O que diz Roberto Araújo dos Santos, advogado dos presos:
"Eles alegam perseguição. Ainda é cedo, mas creio que não há razão para prisão preventiva. Eles têm problemas com documentos, devem explicar que tipo de investimento fazem aqui, mas não há motivo para prisão".