O pagamento de diárias pela Susepe tem sido contestado pelo Ministério Público de Contas (MPC). A prática de servidores atuarem em unidades de municípios diferentes daquele em que estão lotados, recebendo por isso benefícios de viagem de forma continua, é considerada maneira de elevar os vencimentos dos funcionários públicos. Foi essa motivação compensatória que deu origem aos pagamentos contínuos de diárias para os PMs que trabalham em presídios.
– Se olharmos pelo prisma legal, é evidente que o Tribunal de Contas não poderia cruzar os braços diante do flagrante desrespeito à lei, mesmo que a causa fosse justa e meritória – afirma coronel aposentado Nelson Pafiadache da Rocha, comandante de 2003 a 2004.
Em parecer expedido em junho do ano passado sobre as contas de 2011 da BM, a procuradora-adjunta do MPC, Daniela Toniazzo, reservou ponto específico para descrever o "pagamento desnecessário de diárias a servidores militares alocados à denominada 'Operação Força-Tarefa' ou 'Operação Canarinho'".
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Para ressaltar que a prática da irregularidade vem "de longa data", o documento cita que a situação já havia sido apontada em processo sobre as contas de 2005 e ainda replica trecho de outro parecer, sobre a gestão da BM em 2012, publicado em novembro de 2014 pelo procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino: "O instituto da 'diária' tem um fim e requisitos para sua percepção, cabendo apenas para indenizar despesas extras a servidor em atividade fora do domicílio de lotação. As situações apontadas foram criadas artificialmente para propiciar condições supostamente razoáveis ao pagamento da indenização".
O procurador, citado depois pela adjunta, lembrou também "que as situações reportadas possuem contornos históricos, cuja origem remete ao ano de 1995, momento em que a BM passou a efetuar a segurança interna de estabelecimentos prisionais".
Com base no parecer, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) julgou "regular com ressalvas" as contas de 2012 da BM, mas fixou multa de R$ 1 mil aos então comandante e subcomandante, coronéis Sergio Roberto de Abreu e Altair de Freitas Cunha.
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A BM NOS PRESÍDIOS
- Os pagamentos contínuos aos PMs que fazem o trabalho de carcereiros ocorrem desde 25 de julho de 1995, quando a BM foi chamada a assumir, durante seis meses, o controle de cinco unidades prisionais do Estado com a missão de conter os frequentes motins e fugas.
- Em 27 de fevereiro do ano anterior, 44 detentos escaparam do Presídio Central utilizando giboias – cordas artesanais feitas com tecidos –, na maior fuga da história do sistema penitenciário gaúcho. Um ano antes, Dilonei Melara, líder da Falange Gaúcha (atual Os Manos), havia sido trazido da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) para o Central como exigência dos rebelados. Comandou a fuga de mais nove presos em três carros, levando consigo reféns, no episódio que acabou com um veículo invadindo hotel Plaza San Rafael. Três bandidos e um policial morreram naquele dia.
- Para compensar os PMs a trabalharem nas carceragens em meio a tamanho caos, o Estado deu início ao que o Ministério Público de Contas (MPC) classifica como "desvirtuamento do instituto da diária" – converteu o auxílio que deveria ser eventual em contínuo. Assim, os PMs que atuam nas cadeias recebem valores extras de até R$ 3,3 mil por mês durante anos seguidos.
- Das cinco unidades assumidas pela BM em 1995, a corporação permanece até hoje no Central e na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) – o Hospital Penitenciário, a Pasc e a Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC) foram retomadas pela Susepe ao longo dos anos.
- Desde que a Operação Canarinho entrou em ação, as fugas cessaram. E embora o Central conviva com seus pavilhões loteados entre as facções criminosas que os ocupam, não foram mais registradas escapadas ou rebeliões de grande volume.