Uma indústria, três deputados estaduais gaúchos e contatos de Luís Carlos Prestes com comunistas de Porto Alegre não escaparam das lentes da CIA. A maioria das atividades vigiadas no Estado estão contidas em relatórios intitulados "Atividades Comunistas no Rio Grande do Sul", Estado que foi chamado de "Texas brasileiro" em memorando de 1963.
Documento de janeiro de 1952 desperta atenção para a atuação de um dirigente de fábrica de tecidos na Rua Voluntários da Pátria. Antes de descrever o resultado do monitoramento do empresário, o relatório apresenta breve histórico da Tecidos Tupy Issler S.A., com data de organização em 1947 e de dissolução em 1951, e anotações sobre a evolução de capital.
"Os diretores da organização eram Tupy e Roberto Issler e Luiz Hoffman. Tupy Issler atuou em vários comitês comunistas no Rio Grande do Sul", diz o papel da CIA.
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Para o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, a espionagem de fábricas remotas, embora possam ser surpreendes, encontram respaldo lógico e político diante das circunstâncias da época.
– A Voluntários da Pátria era uma zona fabril. E onde o Partido Comunista se fazia presente? Onde havia fábricas e trabalhadores. É possível que estivessem criando comitês – relata.
Também eram observados parlamentares que, na Assembleia Legislativa, pregavam ideias de cunho esquerdista.
"Durante o mês de julho (1947) houve evidência de crescente atividade por parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio Grande do Sul. Os três deputados estaduais comunistas, Manuel Jover Telles, Dr. Julio Teixeira e Antonio Pinheiro Machado Neto, lutavam com habilidade e força uma última batalha pela sobrevivência. Percebendo que a luta pode ser perdida, eles estão tentando ganhar tantos militantes e simpatizantes quanto possível. Em seus discursos defendiam terras para o pequeno agricultor, mudanças radicais nas condições de trabalho nas minas de carvão e portos, liberdade total para os sindicatos", registrou a CIA em agosto de 1947.
No mesmo documento, é citada a existência do jornal Tribuna Gaúcha, veículo ligado aos comunistas.
"Para obter simpatizantes, o PCB publicou diariamente notícias na Tribuna Gaúcha (órgão de imprensa do Rio Grande do Sul), pedindo aos sindicatos, organizações 'democráticas' e pessoas em geral que se comunicassem com os escritórios da Tribuna Gaúcha, na Rua General Câmara , 381, primeiro andar, que é considerada a sede pública do PCB desde o fechamento das próprias instalações".
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Pouco depois, em outubro de 1947, novo memorando retoma o trabalho da Tribuna Gaúcha. O relatório também classifica a política local como atribulada.
"A agitação pré-eleitoral predominante não é um sintoma de desordem iminente, mas sim a condição normal da política 'gaúcha'. O comunismo é a força mais fraca no horizonte político. As poucas reuniões comunistas costumam ser realizadas nos escritórios da Tribuna Gaúcha, cujo jornal está em dificuldades financeiras. É provável que deixe de ser publicado em breve".
Esse documento é encerrado com a afirmação de que "contém informações que afetam a segurança nacional dos Estados Unidos" sobre atos de espionagem.
Principal líder comunista da história do país, Luís Carlos Prestes teve uma carta de sua autoria interceptada pela CIA em 1948. Segundo a agência, a "circular secreta foi distribuída a comunistas em Porto Alegre por Tito Paraguassú". Prestes listou nove recomendações, todos elas reproduzidas no relatório de espionagem:
1. Dar grande ênfase ao problema do petróleo.
2. Continuar a luta nos sindicatos e fábricas a fim de criar um confronto com o atual governo traidor e imperialista.
3. Continuar com a luta para organizar agricultores pobres contra os proprietários de laticínios e outros exploradores, a fim de obter uma divisão da terra em todo o país.
4. Aproveitar a oportunidade para se infiltrar nos Comitês do Petróleo que foram formados e estão sendo formados. Uma vez infiltradas, essas organizações podem ser usadas como "ação democrática".
5. Organizar encontros em fábricas e entre operários com o objetivo de esclarecer o pensamento comunista sobre a questão do petróleo.
6. Apoiar a candidatura de Horta Barbosa à presidência em 1951.
7. Envolver na luta pelo petróleo todos os elementos democráticos, antifascistas e anti-imperialistas, com particular ênfase nos oficiais e sargentos das forças armadas.
8. Reagir com força contra a intervenção policial.
9. Manter sempre contato com forças comunistas no Uruguai, Argentina, etc...
A agência americana ainda mapeou, em fevereiro de 1949, o atrito entre anticomunistas e comunistas que participavam de um mesmo movimento de defesa do petróleo em Porto Alegre.
"Membros não-comunistas da Campanha de Defesa do Petróleo em Porto Alegre, Brasil, formaram uma facção em oposição aos comunistas da organização. Solon Macedônia Soares, uma das principais figuras da campanha, é também o líder da facção anticomunista. Os anticomunistas ressentem-se do fato de que os comunistas usam a campanha para promover muitas causas que não estão de forma alguma associadas ao petróleo. Soares e seu grupo devem fazer uma denúncia pública da participação comunista no movimento e formar um novo grupo do qual os comunistas serão excluídos", relata a CIA.
Citado como líder anticomunista, Solon Macedônia Soares seria um desembargador do Tribunal de Justiça que se tornou nome de rua na zona norte da Capital.