A história das vestimentas costuma retratar a história de um povo. Assim, por séculos e séculos, a roupa vestida por determinada sociedade era muito mais do que um agasalho para proteger o homem no clima. Território extenso e com a história pontilhada de guerras, o Rio Grande do Sul já foi território indígena e, depois, passou a ser disputado por duas potências europeias: Espanha e Portugal.
De lá pra cá, com a influência inegável de nossos vizinhos, foi se forjando a indumentária do homem e da mulher que habitavam estas terras. A professora e pesquisadora Véra Stedile Zattera é uma das mais respeitadas estudiosas do tema. Com mais de 50 anos dedicados ao assunto, a professora tem publicados mais de 20 livros em que estuda os trajes do gaúcho (algumas destas obras tratam do vestuário do imigrante italiano). Seu estudo acompanha a evolução das vestes desde os tempos dos indígenas, nos idos de 1620 a 1730, até os dias de hoje. Atenta às tendências e às “modinhas”, Véra destaca que é preciso levar esta questão muito a sério. Já que é a partir desta identidade que podemos conhecer e preservar a nossa história.
— Não sou contra a modernidade. Mas existem modas que não dialogam com a tradição. Eventualmente, vejo jovens com boinas enormes que nunca foram usadas pelo nosso gaúcho — explica.
Com todo seu conhecimento técnico, a pesquisadora ganhou respeito entre o movimento tradicionalista e é figura reconhecida quando se trata de indumentária gaúcha. Ela gosta de observar, por exemplo, de que maneira a porosidade geográfica do passado forjou as roupas usadas pelos homens que habitavam estas terras. Enquanto os argentinos, que eram criadores de gado e, portanto, mais endinheirados, exibiam trajes e acessórios mais opulentos, os brasileiros, com menos posses, tentavam adaptar as vestimentas.
Historicamente, a evolução dos trajes se dá em diferentes momentos, de acordo com pesquisa publicada no livro Pilchas do Gaúcho, escrito por Véra (veja abaixo).
Como se vestem prendas e peões
De 1950 até hoje, informa Véra Stedile Zattera, o peão usa a bombacha tradicional, que pode ser confeccionada em brim, linho, tergal, algodão e tecidos mesclados. Em cores claras e escuras, mas sem usar cores agressivas. O padrão das estampas é liso, listrado e xadrez discreto. A camisa deve ser de cores sóbrias, em algodão, tricoline, linho ou viscose. O lenço é peça fundamental, e as cores devem variar entre branco, vermelho, verde e xadrez miúde. As estampas floridas devem ser evitadas e o lenço preto, só em caso de luto.
Botas devem ser em couro preto ou marrom, com o colete em mangas e abotoado na frente, de uma só cor e com fivela para ajuste. Guaiaca preferencialmente lisa, com uma ou duas fivelas e com bolso para relógio. E o chapéu pode ser nos modelos tradicionais, respeitando as características das “copas”, diferentemente da “copa-alta” utilizada pelos caubóis.
A prenda deve ter o vestido confeccionado, preferencialmente, em uma só peça. As mangas dos vestidos podem ser lisas ou levemente franzidas, mas nunca bufantes, arrematadas com fitas, bordados ou babadinhos. O comprimento indicado é longo, três quartos ou até o cotovelo em ocasiões mais formais. Ombros e seios nunca podem ser expostos. O vestido pode ter enfeites em rendas, apliques e bordados, mas é preciso evitar sobrecarregá-lo com penduricalhos. Os tecidos devem ser lisos, com pequenas estampas ou em xadrez discreto. A saia de armação é peça essencial e recomenda-se discreta, leve e na cor branca.
Já a meia-calça longa surge em branco ou bege para moças e senhoras. Para sapatos ou sapatilhas, cores preto, branco ou bege, com salto de cinco centímetros ou meio salto. Os cabelos devem estar semipresos ou com tranças, enfeitados com fitas, flores ou tiaras. As flores têm de ser sempre discretas, sem brilhos. O uso de sombras e batons coloridos em excesso, cílios postiços e unhas usadas em cores não convencionais também não são indicados.
Como o vestir gauchesco evoluiu, ao longo dos séculos:
1620 A 1730
O indígena tinha como característica de sua vestimenta o chiripa-saia, o lenço na testa e as boleadeiras. Com a chegada dos jesuítas, eles começaram a produzir algumas peças de algodão para se vestir.
1730 A 1820
O gaúcho gaudério adotava trajes diferentes de acordo com a posição social. Homens estancieiros usavam detalhes em rendas, esporas de prata, gibão (espécie de casaca masculina) de veludo ou lã e com botões de prata. O pala de seda ou lã também era acessório fundamental. A estancieira gaúcha utilizava cabelos presos com fitas e flores, vestido de seda ou algodão e portava joias em excesso. O peão ficava de pés descalços ou calçava botas garrão. Adotava-se camisa de algodão branca com amplas mangas e, na cabeça, os cabelos eram amarrados por uma tira de couro. A boleadeira e a pistola eram acessórios usuais. Já a mulher rural usava saia rodada de tecido de lã leve e andava de pés descalços.
1820 A 1865
Período que transformou a indumentária gaúcha. Com a urbanização, o gaúcho morador das cidades, denominado como gaúcho citadino, passa a usar camisa branca com colarinho e terno completo (com direito a gravata de nó ou borboleta). A mulher da cidade escolhia vestido de seda com mangas retas e bufantes. O leque e a sombrinha eram acessórios indispensáveis. Já o gaúcho fazendeiro usava bombachas e botas fortes, camisa e lenços brancos, chapéu de feltro e pala, além da espora de prata. O peão aparecia com bombachas, alpargatas ou botas fortes e chapéu ou boina.