Eduardo Brino, 24 anos, estava construindo uma casa para morar com a esposa, Luana Dutra, no terreno em que a família vivia há 78 anos no interior de Roca Sales, no Vale do Taquari. O plano foi interrompido no dia 30 de abril, uma terça-feira, quando um deslizamento de terra atingiu não só a construção, como também seis pessoas da família de Eduardo.
Morreram as irmãs Gabriela, 9, e Maria Eduarda, 20, e os pais Janice, 49, e Dorly, 57. Os avós Elirio e Érica, ambos de 78 anos, seguem desaparecidos. A última a ser encontrada foi Janice Brino, mãe de Eduardo, que saiu da lista de desaparecidos da Defesa Civil do Rio Grande do Sul apenas em 2 de julho e passou a ter o nome entre os óbitos.
— Foi muito rápido, porque o primo do pai que mora aqui do lado estava junto com ele. Cinco minutos antes, eles estavam limpando o bueiro que entupiu e estavam tentando desobstruir. Abandonaram porque aumentou muito a água. O primo do pai foi pra casa, e o pai e a mãe estavam descendo pra ir pra casa também. E em questão de segundos, ouviram uma explosão e daí foi tudo. Quando viram, tinha mais de 40 metros de altura descendo — conta Eduardo.
Foi por meio deste primo, que também era vizinho da família, que Eduardo ficou sabendo do ocorrido. Somente no outro dia foi que ele conseguiu sair de Muçum, onde mora, cruzar os trilhos da ponte a pé e caminhar por duas horas na mata para buscar os familiares, acompanhado de bombeiros. A ponte que ligava os dois municípios foi levada pela água.
Quando chegou à propriedade rural na linha Marechal Hermes, o local estava irreconhecível. Cem dias depois, na última sexta-feira (9), ele voltou ao terreno da família para contar a história à reportagem de Zero Hora.
— Chegamos aqui e não tinha mais nada. Eu que conhecia, fui criado aqui. Tu olha ali e tu não enxerga mais nada, tu não diz que tinha alguma coisa aqui. Tinha uma granja de suínos, tinha 450 porcos. Tinha um galpão, animais, a casa, foi tudo embora, foi parar tudo no rio — conta.
— Fica um vazio, porque tu chegava aqui e via tudo que eles tinham construído. Do dia para a noite, não tem mais um lugar para o cara sentar e tomar um chimarrão. A minha ideia era voltar para casa, ajudar o pai e a mãe, continuar a vida que eles tinham e tocar a agricultura, aumentar a propriedade — desabafa Eduardo.
Agora, os hectares da propriedade se confundem com o rastro do deslizamento, que arrastou o que havia pela frente e transformou o lar da família Brino em uma imensidão de pedras e terra. Somente alguns vestígios, objetos que trazem à tona memórias afetivas permaneceram: pedaços de roupas, talheres, parte de azulejos e de um Fusca que era da família.
Três meses depois, entre as montanhas de sedimentos, as buscas seguem diariamente pelos patriarcas da família, avós de Eduardo. Os parentes vão ao local com frequência, também em busca de uma resposta.
— Estamos no meio dessa tragédia, para ver se encontramos o vô e a vó. Todo mundo quer se despedir. Mesmo que seja uma morte trágica, todo mundo merece ter um momento de despedida. Dar um destino pra eles, botar eles no lugar certo — desabafa Eduardo sobre a angústia da busca pelos avós.
A família já se despediu de Gabriela, Maria Eduarda, Janice e Dorly. Segundo os bombeiros que trabalhavam na última sexta-feira na região, as buscas devem ser mantidas até Elirio e Érica serem encontrados. Ainda falta vasculhar pedaços de terra até a beira do Rio Taquari e revisar a parte mais próxima da área que costumava ser a casa em que moravam,ponto em que foram localizadas as duas netas.
Eduardo e Luana abandonaram o planejamento de construir uma vida no local. Olhando, do alto, para as montanhas de terras que se formaram onde iria morar, Luana acredita que, por pouco, eles também não estavam ali no dia da tragédia.
— Se a ponte de Muçum não tivesse ido embora e já tivesse ficado pronta, provavelmente, nossa casa já teria ficado pronta. Naquele dia, eu e o Eduardo estaríamos em casa também. É uma perda enorme e, ao mesmo tempo, a gente agradece a Deus por ter nos dado a oportunidade de estar aqui ainda. Eu não sei de onde o Eduardo tira tanta força, mas estamos firmes — afirma.
Conforme Eduardo, os tios e parentes que moram ao redor pretendem, futuramente, plantar apenas algumas frutas no que restou da propriedade.
— É uma história que terminou, né? Não tem mais o que fazer aqui. É erguer a cabeça e seguir a vida em outro lugar — projeta Eduardo.
No mesmo dia, deslizamento vitimou cinco pessoas da família Eckhardt
Além dos quatro óbitos confirmados dos Brino, outras cinco pessoas da família Eckhardt também morreram em um deslizamento, no mesmo 30 de abril.
O casal de agricultores Adir e Elenita Eckhardt, 57 e 52 anos respectivamente, a filha Andrieli, 13 anos, o filho Anderson, 33, e a companheira dele, Letícia Garcia, 28, morreram soterrados na localidade de Serrinha.
Primo de Adir, Adelar Eckhardt conta que Anderson morava em uma residência próxima dos pais. No início daquele dia, uma avalanche passou perto da casa dele. Assustado, levou os animais para o galpão de Adir e Elenita e decidiu dormir com a companheira na casa dos pais. De noite, um novo deslizamento atingiu a casa em que todos estavam.
— No outro dia de manhã, eu estava sem notícias dos meus pais. Eu moro na cidade, mas meus pais moram no Interior, pertinho de onde aconteceu. Subi até lá, cheguei na casa deles e vi o desmoronamento. Tentei chegar na casa, por cima de árvores e pedras, chamei eles e não consegui encontrar nada. Não tinha certeza se eles estavam em casa. Voltei pra cidade, avisei familiares, mas depois começou a subir o rio, veio a enchente e só conseguimos encontrar o corpo do Adir dois dias depois.
Conforme o Corpo de Bombeiros de Santa Catarina, quatro das vítimas foram encontradas abraçadas em um dos cômodos da residência.
Segundo a Defesa Civil, 14 pessoas morreram em Roca Sales em decorrência dos eventos climáticos de abril e maio deste ano.