Frio, fome e desespero. Esses foram alguns dos sentimentos compartilhados pelos moradores da localidade de Rebentona, em Candelária. A comunidade é um dos polos de produção de arroz, soja e gado da região e vivia uma rotina tranquila típica das áreas rurais até ela ser quebrada com o avanço rápido das águas do Rio Pardo entre a segunda-feira (29) e a terça-feira (30).
O Rio Pardo começa a extravasar do leito próximo aos 6 metros. No pico da enchente, na terça, a água chegou aos 10 metros, avançando muito além de outras enchentes e surpreendendo os agricultores.
Neste sábado (5), cinco dias após o início dos eventos, a reportagem de GZH teve a oportunidade de acessar a parte de Candelária que mais registrou pedidos de socorro e alguns dos resgates mais dramáticos. A incursão ao terreno difícil somou quase 5 horas, ida e volta, e contou com o apoio de um grupo de jipeiros do município, que levou donativos e foi conferir como estavam as famílias que decidiram permanecer.
A primeira coisa que chama a atenção é o cenário desolador, de árvores arrancadas e lama a perder de vista onde antes reinavam pastagens verdejantes. Mesmo jipes preparados atolaram em mais de uma oportunidade, necessitando do apoio de tratores para seguir viagem. A experiência resume bem a complexidade do resgate nos dias anteriores.
Foi o que viveu Marcelo D'Ávila, morador do centro de Candelária. Acompanhado de um bombeiro militar, ele utilizou um barco para tentar resgatar moradores antes mesmo de a água baixar. A dupla acabou presa e permaneceu pelo menos dois dias incomunicável. Eles haviam conseguido reunir 16 pessoas, sendo três crianças, no galpão de um morador. O grupo ficou no escuro e no frio por quase três dias.
— Tínhamos dois cachorrinhos resgatados, que distraiam as crianças e até nos esquentavam. Brinquei com uma delas e pedi o cachorrinho emprestado, "deixa esquentar o tio" — descreve D'Ávila.
Outra história igualmente dramática envolveu membros da família Lauer. Eria Ernestina Lauer e Iracema Lauer, de 92 e 83 anos, respectivamente, ficaram presas em duas casas vizinhas. Eria, chegou a ficar parte do tempo boiando em um colchão e teve a ajuda da sobrinha, Celoi Lauer, de 48 anos.
— Fiquei segurando a porta. Se ela estourasse, era muita pressão, a água derrubaria a parede e a gente iria embora - narra Celoi.
O resgate levou mais de um dia para ocorrer. Na quarta-feira (1°), um helicóptero da Força Área Brasileira (FAB) posicionou-se na altura do telhado da casa e içou a família. Marido de Celoi, o agricultor Alencar da Silva, de 46 anos, disse que já estava extenuado quando a aeronave chegou. Restou a ele, porém, carregar por mais de 20 minutos a idosa no colo, com água na cintura e resistindo também ao vento produzido pelas hélices do helicóptero.
— Não foi força minha, foi força de Deus. Aquele foi o momento mais desesperador - relembra, emocionado.
A família perdeu porcos, galinhas e cavalos. Em outra casa, a angústia foi pelo resgate da outra idosa, Iracema, que é cadeirante. O socorro aéreo foi realizado na quinta-feira.
Neste sábado, durante uma breve trégua na chuva, alguns moradores retornaram para as casas. Porém, após a tragédia, algumas pessoas afirmaram que sair da região passou a ser uma possibilidade.