Por Rodrigo Trespach
Historiador e escritor, autor do livro “1824” (Citadel, 2023)
Três de maio de 1824. Duzentos anos atrás, os passageiros dos veleiros Argus e Caroline alcançavam Nova Friburgo, na Serra Fluminense. Os transatlânticos haviam aportado no Rio de Janeiro no começo do ano com os primeiros imigrantes alemães a chegarem no país, enviados pelo major Schaeffer. O grupo fazia parte de um projeto de colônias rural-militares a serem instaladas no Brasil.
Nova Friburgo fora criada com imigrantes suíços, chegados ao país em 1819, ainda durante o período colonial – das mais de 2 mil pessoas que haviam deixado a Europa, somente 1,6 mil chegaram ao Brasil. O lugar era conhecido como fazenda do Morro Queimado, uma propriedade de quatro sesmarias que pertencera ao monsenhor Antônio José da Cunha Almeida, que era muito próximo do monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiro, o chanceler-mor do reino, oriundo de uma família influente, com uma longa lista de serviços prestados à coroa portuguesa.
O lugar era de difícil acesso e pouco propício à agricultura, mas o encarregado pelo rei dom João VI de encontrar um lugar para os suíços acabou comprando a fazenda de seu amigo, pagando por ela mais de 20 vezes o valor original da propriedade. Instalada em abril de 1820, a colônia enfrentou sérios problemas desde o início. Além das mortes durante a travessia atlântica, outros 130 colonos morreram nos primeiros meses após o desembarque. Centenas deles estavam doentes. O clima tropical e as condições precárias de higiene cobraram um preço alto. No ano seguinte, muitas famílias suíças começaram a deixar o lugar.
Com a Independência, o governo imperial renovou a iniciativa imigratória. No lugar dos suíços, viriam alemães. Em 1823, o imperador dom Pedro I nomeou inspetor da colonização estrangeira no país o perdulário Miranda Malheiro. A ele caberia receber os colonos e soldados enviados pelo agente brasileiro na Europa, acomodá-los, selecioná-los e dar-lhes um destino: as colônias rurais ou os quartéis no Rio de Janeiro.
Na Europa, os alemães acreditavam que seriam enviados para a Bahia. O próprio Friedrich Oswald Sauerbronn – primeiro religioso luterano no Brasil – acreditou que seria pastor em uma colônia instalada em terras baianas. Tanto José Bonifácio quanto o major Schaeffer, responsáveis pelo projeto e pelo agenciamento dos germânicos, imaginavam que as levas seriam destinadas à Bahia ou a alguma nova colônia no Planalto Central. As cartas trocadas entre os dois revelam que eles esperavam criar um novo estabelecimento no exato local onde um século e meio mais tarde Brasília seria construída.
Dom Pedro I, porém, tinha outros planos. Em março de 1824, ele ordenou a José Feliciano Fernandes Pinheiro, governador gaúcho, que se preparasse para receber os imigrantes. O Rio Grande do Sul teria prioridade. Para que o futuro visconde de São Leopoldo tivesse tempo de se organizar, as famílias que haviam chegado ao Rio de Janeiro no Argus e no Caroline seriam enviadas para Nova Friburgo. A mudança de planos não agradou a todos. O imigrante Jacob Heringer, de Oldenburg, só aceitou subir as montanhas após determinação expressa do imperador.
No final de abril, os mais de 340 imigrantes alemães começaram a viagem até a antiga colônia. O primeiro trecho foi percorrido em pequenas embarcações, via Baía de Guanabara e Rio Macacu, entre a Armação da Praia Grande, hoje Niterói, e o atual município de Cachoeiras de Macacu. A parte final do trajeto, realizado com carros de boi e animais de tração, cruzou a serra escarpada. No dia 3 de maio, os primeiros chegaram. Foram acomodados em casas junto ao largo do Pelourinho, na atual Praça Marcílio Dias, onde moravam suíços que falavam o idioma alemão – as 38 residências vazias, abandonadas pelos ocupantes iniciais da colônia, foram aproveitadas.
A primeira leva a chegar em Nova Friburgo foi também a única. No mês seguinte, os imigrantes germânicos que desembarcavam no Rio teriam outro destino: São Leopoldo.