Por Rodrigo Trespach
Historiador e escritor, autor do livro “1824” (Ed. Citadel)
Treze de janeiro de 1824. Duzentos anos atrás, depois de uma viagem de seis meses, o veleiro Argus chegava ao porto do Rio de Janeiro. A embarcação holandesa trazia para o Império brasileiro 269 imigrantes alemães. O Argus era o primeiro dos quase 40 navios que trariam ao Brasil mais de 11 mil colonos e soldados germânicos até 1830. O projeto de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, tinha como objetivo criar colônias agrícolas, desenvolver o minifúndio e dar início à industrialização do país tendo como exemplo a mão de obra livre.
O major Schaeffer, enviado de Bonifácio à Europa, rapidamente conseguiu agenciar gente interessada em vir para o Brasil, principalmente do atual Estado alemão de Hessen, então um grão-ducado. Empobrecida pelas Guerras Napoleônicas e pela Revolução Industrial, a população rural dessa região aceitou a generosa oferta do imperador brasileiro dom Pedro I: propriedades de 77 hectares, animais, sementes e ferramentas. Parte dos imigrantes, principalmente os solteiros e os que não podiam arcar com os custos da viagem, serviriam por quatro anos no Exército imperial antes de ter direito à terra como os demais.
Schaeffer despachou o primeiro grupo para a Holanda via Rio Reno. Os portos holandeses eram mais próximos do Brasil, diminuíam o tempo e os custos da viagem. Mais tarde, as levas de imigrantes partiriam de Hamburgo, no norte da Alemanha. Assim, em Amsterdã, os primeiros imigrantes foram embarcados no Argus, um velho navio de madeira, com velas e três grandes mastros. A viagem teve início em julho de 1823.
Entre os passageiros imigrantes estava um pastor: Friedrich Oswald Sauerbronn. Aos 40 anos, ele foi o primeiro religioso luterano a se estabelecer na América do Sul. Sauerbronn atendera a comunidade de Becherbach, no Hunsrück, durante 15 anos, até que decidiu emigrar com a esposa e os sete filhos para o Brasil – grávida, a companheira do pastor faleceria durante a viagem oceânica.
No começo do século 19, a travessia do Atlântico não era confortável nem segura. Em média, os navios tinham menos de cem metros de comprimento por 30 de largura. Pouco espaço e nenhuma privacidade. Os passageiros do Argus enfrentaram inúmeros infortúnios. Ainda durante a viagem fluvial, dois colonos morreram afogados no Reno e a caravana teve problemas com a polícia por causa dos passaportes – os dois homens não tinham permissão para sair da Alemanha.
Dezoito dias depois de deixar a Holanda, o Argus foi atingido por uma violenta tempestade, perdeu o mastro principal e foi obrigado a voltar ao porto. Enquanto o navio recebia reparos, 26 colonos fugiram do veleiro e nunca mais voltaram. Após quase um mês, o barco partiu novamente com destino ao Brasil. Dessa vez, com o comandante B. Ehlers sendo auxiliado pelo experiente capitão Peter Zink.
A sorte parecia não estar ao lado dos primeiros imigrantes alemães. No Canal da Mancha, o Argus foi castigado por ventos fortes e obrigado a ancorar no porto inglês de Cowes, na ilha de Wight. Depois de duas semanas de espera, o barco zarpou. Apenas para ser atingido por um furacão no Golfo da Biscaia, na costa espanhola. O Argus foi parar no litoral africano. Enquanto se dirigia a Santa Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias, o veleiro foi atacado por piratas. De nada adiantaram os 36 canhões de defesa com os quais o navio era armado, tampouco os soldados que transportava.
Depois de tantas tribulações, o Argus finalmente ancorou no Rio de Janeiro. A então capital do país tinha pouco menos de 80 mil habitantes (dos quais 36 mil eram escravizados) e umas 10 mil casas. Os alemães que serviriam no Exército foram mantidos na cidade e instalados nos quartéis. O governo imperial esperava enviar os demais imigrantes do navio recém-chegado – e de outros que estavam chegando – para o sul da Bahia, onde uma colônia fora instalada por particulares em 1816. Ou para Nova Friburgo, na serra do Rio, onde o governo português criara uma colônia com suíços em 1819.
Mas dom Pedro I mudou de ideia. Ordenou que José Feliciano Fernandes Pinheiro, governador da província do Rio Grande do Sul, organizasse a fundação de uma colônia próxima a Porto Alegre. Para que Fernandes Pinheiro tivesse tempo, os imigrantes que haviam chegado no Argus foram encaminhados para Nova Friburgo. O grupo subiu a serra e chegou à vila em 3 de maio de 1824.
Em julho, outra leva de colonos alemães chegou à capital gaúcha. Eram passageiros do transatlântico Anna Louise, o terceiro navio enviado por Schaeffer. Eles seriam os pioneiros da então nova colônia de São Leopoldo.