Na segunda visita ao Rio Grande do Sul em três dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva testemunhou neste domingo (5) a calamidade que matou pelo menos 75 pessoas e deixou cem desaparecidos, no maior desastre climático já registrado em território gaúcho. Após sobrevoar áreas urbanas submersas ao lado das principais autoridades da República, Lula defendeu um pacto nacional pela reconstrução do Estado, a partir de um regime jurídico diferenciado e de uma flexibilização no controle dos gastos públicos. Acompanhe a cobertura ao vivo em imagens.
— Não haverá impedimento da burocracia para que a gente recupere a grandiosidade do Rio Grande do Sul — prometeu o presidente.
Lula desembarcou na Base Aérea de Canoas às 10h28min, acompanhado dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, da Câmara, Arthur Lira, do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, e o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, além de 13 ministros de Estado. No total, 72 pessoas formaram a comitiva presidencial.
Ainda na base aérea, Lula, o governador Eduardo Leite e os ministros embarcaram em três helicópteros para sobrevoar zonas alagadiças. Em seguida, foram ao 3° Regimento de Cavalaria de Guarda, no bairro Partenon, na Capital, para onde foi levado o centro de operações depois que o Guaíba inundou o Comando Militar do Sul, no Centro Histórico.
No quartel, em meio à movimentação frenética de autoridades civis e miliares, Lula conduziu uma rápida reunião, na qual discutiu as prioridades do Estado para resgates e emergências, em resposta a um diagnóstico da situação e uma lista de demandas apresentadas pelo governador.
— O Brasil deve muito ao Rio Grande do Sul. Nós vamos dar tudo que o Estado merece — afirmou Lula em seguida,, em um auditório acanhado que reunia aliados políticos e opositores ferrenhos, como os deputados Marcel Van Hattem (Novo) e Luciano Zucco (PL).
No início da apresentação, o general Hertz Nascimento, vice-chefe do Estado Maior do Exército, disse que há 3,6 mil homens das Forças Armadas atuando nos 332 municípios que sofreram os efeitos da enchente — três vezes mais do que nas enxurradas de setembro.
A prioridade é a evacuação de hospitais. No Mãe de Deus, na Capital, 290 pacientes haviam sido removidos. Em uma fala de dois minutos, o prefeito de Porro Alegre, Sebastião Melo pediu urgência na liberação de recursos.
— Setenta por cento da cidade está sem água, os caminhões-pipa estão ficando sem diesel, o oxigênio está acabando nos hospitais — relatou Melo.
Ao fazer um balanço do caos, Leite disse que há 1 milhão de casas sem água e meio milhão sem luz, a maioria isolada por mais de 180 bloqueios em rodovias estaduais e federais. Exibindo fotos e mapas com a extensão da catástrofe, o governador reforçou a necessidade de um plano robusto para recuperação da infraestrutura urbana em praticamente todo o território gaúcho, no décimo desastre ambiental severo registrado em um ano no Estado.
— É cenário de guerra e vai exigir medidas de pós-guerra — resumiu Leite, citando o Plano Marshall, concebido para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Na sequência, Bruno Dantas prometeu empenho na flexibilização das regras sobre gastos públicos. Responsavel pela fiscalização das contas do governo, o presidente do TCU disse que é preciso "sensibilidade em um momento excepcional".
— O que vi foi impactante, foi emocionante e gera um sentimento de profunda solidariedade, para além das divergências ideológicas, por que o problema do Rio Grande do Sul hoje é o maior problema nacional — disse Pacheco, anunciando acordo com Lira para acelerar votações no Congresso que liberem recursos ao Estado.
Presidente não conseguiu sobrevoar áreas atingidas na visita de sexta
Na passagem anterior pelo Estado, na quinta-feira, o presidente esteve em Santa Maria mas não conseguiu sobrevoar as regiões alagadas por conta das condições meteorológicas adversas. Na ocasião, fez questão de enfatizar que não faltariam recursos federais para reconstrução do Estado. Até aquele momento, a Defesa Civil contabilizava oficialmente 13 mortes.
Desde então, a contabilidade de óbitos seguiu crescendo sem parar, a exemplo do nível do Guaíba. O lago superou a cota de 4m76cm da histórica enchente de 1941 na noite de sábado (3), chegando a 5m35cm, na pior cheia já vista em Porto Alegre. O cenário também se agravou em outras cidades da Região Metropolitana, como Canoas e Eldorado do Sul. A calamidade produziu cenas distópicas, com tanques do Exército acolhendo refugiados ambientais que eram resgatados de barco em Canoas, e imagens desesperadoras, com pessoas se jogando na água barrenta em busca de espaço em lanchas lotadas em Eldorado do Sul. Localidades da Região Metropolitana chegaram a ser atendidas por 15 helicópteros ao mesmo tempo no sábado.
A escalada do desastre elevou a cobranças por maior disponibilidade de equipamentos de resgate por parte dos três níveis de governo, municipal, estadual e federal. Com a nova passagem pelo Estado menos de 100 horas após a visita a Santa Maria, Lula também tenta garantir uma resposta mais significativa às demandas por socorro.
Na quinta-feira (2), o governo federal instalou uma Sala da Situação no Palácio do Planalto para concentrar as equipes de 17 ministérios e das Forças Armadas, além de órgãos de apoio. Em Porto Alegre, também foi montado um comando avançado na sede da Federação dos Municípios do RS (Famurs), de onde despacham os ministros Waldez Góes (Integração Nacional), Paulo Pimenta (Comunicação Social), Renan Filho (Transportes) e Nísia Trindade (Saúde)
— A palavra aqui é união total, sinergia total. O desafio é gigante — disse Góes, que permanece no Estado coordenando as operações.
Ao final, Lula pediu à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a elaboração de um plano nacional de prevenção à desastres climáticos.
— É preciso que a gente pare de correr atrás da desgraça — apregoou.