O sonho de uma família de Roca Sales é garantir, após a morte, a reunião de uma mãe com seus dois filhos. O trio foi separado, em vida, pelo turbilhão em que se transformou o Rio Taquari durante a enchente que assolou a região em setembro do ano passado. Os corpos de Larah Hennig, de sete meses, e Lincoln Tailãn Hennig, sete anos, foram localizados menos de uma semana depois de a enxurrada destruir a casa onde estavam com os pais, com os avós paternos e um tio da avó. Quatro meses após a tragédia, o paradeiro da mãe das crianças, Deiser Cristiane Vidal, 32 anos, permanece desconhecido. Além dela, os bombeiros seguem em busca de outras quatro pessoas.
— Sabemos que não tem mais chance de achar ela com vida, mas queríamos, pelo menos, dar um enterro digno, reunir outra vez com os filhos. Eles eram tudo para ela. Todos os dias, me mandava fotos deles — conta a mãe de Deiser, a dona de casa Inajara Rodrigues, 53 anos.
Deise, como era chamada pelos familiares e amigos (a letra "r" ao final foi um erro de registro), dividia seu tempo entre o trabalho como proprietária de um brechó, a família e a igreja evangélica. Um dos seus passatempos favoritos era cantar louvores em performances que, por vezes, gravava no celular e enviava à mãe e ao padrasto pelo celular. Esses vídeos estão entre as últimas lembranças deixadas, assim como as derradeiras ligações telefônicas feitas por Deise.
O padrasto, Marcelo Cacemiro, 47 anos, revela que o primeiro telefonema foi recebido por volta das 22h30min de 4 de setembro. No começo da madrugada, já em tom desesperado, a enteada clamava por socorro. Pouco tempo depois, uma placa de concreto do prédio ao lado caiu sobre a casa, que veio abaixo. Outros familiares conseguiram se salvar, mas a mãe, as duas crianças e o tio da avó materna, Marno Olivo Spellmeier, 77 anos, acabaram arrastados no aluvião. Spellmeier também faleceu.
O pai, Harald, 29 anos, e os avós paternos das crianças, os professores Carlos Alberto Hennig, 57 anos, e Tânia Hennig, 59 anos, sobreviveram agarrados a troncos e árvores. Abalados pelas perdas, deixaram o município e hoje vivem em Carlos Barbosa.
— Sabemos que nada trará eles de volta. A única coisa que queremos é colocar a mãe novamente com as crianças. A última coisa que ela falou pra mim, naquela noite, foi "salva os meus filhos", mas não teve como — relembra Tânia, que, sem saber nadar, esperou nove horas por socorro agarrada primeiro a um tronco que flutuava, depois a uma árvore.
A professora relata que o trauma ainda marca o cotidiano dos familiares, enquanto o Corpo de Bombeiros mantém buscas diárias na região atrás de vestígios:
— Estamos todos sob medicação. Se não fosse isso, eu nem sairia da cama. Não conseguimos entender por que aconteceu isso tudo. Meu filho ainda chora muito sozinho e quase não fala sobre o que aconteceu.
Marcelo Cacemiro afirma que a família gostaria que o episódio servisse para o município ser melhor aparelhado, com uma nova ambulância e uma embarcação destinada à Defesa Civil para resgatar pessoas eventualmente ilhadas.
Os desaparecidos
- Alexandre Eduardo Macedo de Assis, 48 anos, de Arroio do Meio
- Beatriz Maria Pietta, 72 anos, de Muçum
- Carlos André Pereira, idade não informada, de Lajeado
- Deiser Cristiane Vidal, 32 anos, de Roca Sales
- Deoclydes José Zilio, 94 anos, de Muçum