A inundação que levou de arrasto casas inteiras e deixou pelo menos 50 mortos no Vale do Taquari, um mês atrás, começou a se desenhar no horizonte de municípios gaúchos como Muçum, Roca Sales e Encantado ainda três dias antes de a enchente invadir as primeiras ruas e avenidas.
A cronologia do desastre mostra que na noite de 1º de setembro, 72 horas antes de o rio engolir uma cidade atrás da outra, pancadas de chuva passaram a cair em regiões de cabeceira e a confirmar previsões divulgadas no mesmo dia de que a precipitação seria intensa. As condições que fariam a água derrubar paredes de concreto como se fossem peças de dominó foram se agravando ao longo dos dias seguintes, primeiro de forma lenta, depois vertiginosa, até a enxurrada ganhar dimensão jamais vista entre os dias 4 e 5.
Previsões do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) já indicavam risco de chuva "severa" com possibilidade de enxurrada no Vale do Taquari na manhã de sexta-feira (1º).
Essa expectativa começou a se materializar à noite, quando estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registraram os primeiros chuviscos provocados pela passagem de uma frente fria que avançara desde a Argentina e, em vez de seguir se deslocando, estacionou sobre o Rio Grande do Sul. Imóvel, ganhou o reforço de uma área de baixa pressão em níveis elevados da atmosfera — o que suga o ar úmido da superfície até grandes altitudes — e permaneceu despejando volumes cada vez maiores de água sobre pontos da região centro-norte do Estado por onde passam rios como o Carreiro e o Guaporé, que desembocam no eixo Taquari-Antas.
A precipitação chegou a somar quase 400 milímetros em André da Rocha em um intervalo de apenas dois dias — o equivalente a descarregar 400 baldes de um litro em cada metro quadrado nesse intervalo.
— O volume de água registrado no Rio Taquari tinha uma probabilidade de 0,01% de ocorrer, o que corresponde a um fenômeno que se espera que se repita mais ou menos a cada 10 mil anos. Às 10h do dia 4 de setembro, quando o rio ainda estava em nível de atenção, tivemos uma reunião em que já foi possível perceber que a água estava se elevando muito rapidamente. Por isso, decidimos nos antecipar e começar a operar em estado de alerta, adiantando o envio de boletins — afirma o engenheiro hidrólogo Emanuel Duarte, chefe de projeto do Sistema de Alerta do Caí e do Taquari do Serviço Geológico do Brasil (SGB).
A partir daquele momento, avisos de perigo começaram a ser enviados por diferentes órgãos oficiais aos municípios. Contudo, não foram capazes de dimensionar com precisão o que viria a se abater sobre a região.
A natureza se encarregou de mandar seus próprios alertas: na tarde daquela segunda-feira (4), despejou um caudal recorde de 9,7 milhões de litros de água por segundo na barragem localizada em Nova Roma do Sul, distante cerca de 180 quilômetros de Lajeado — município onde, 18 horas depois, um morador desavisado testemunharia a mulher e os dois filhos serem arrastados para a morte pelo turbilhão.
Nesse intervalo de tempo, a enxurrada destruiu a ponte de ferro localizada entre Nova Roma do Sul e Farroupilha, destruiu as estações do SGB que medem automaticamente o nível do rio, dificultando a elaboração de previsões de cheia, e levou uma onda de destruição e morte às cidades ribeirinhas.
Veja, a seguir, um resumo de alguns dos principais acontecimentos que ajudam a entender como uma tempestade se transformou em tragédia no interior do Rio Grande do Sul.