Por Lúcio Luiz Konzen
Engenheiro civil e pesquisador diletante
Nos 120 anos da morte de Júlio de Castilhos (1860-1903), ainda pairam dúvidas sobre o local da cirurgia realizada pelo dr. Protásio Alves que levou a óbito o grande líder. Em Zero Hora, no caderno DOC de 21/11/20, a museóloga Doris Couto questionou a versão de que a cirurgia tivesse ocorrido na casa de Castilhos: “Já havia hospitais. (...) Essa revisão da história será realizada”, escreveu, contrariando a narrativa da ação, que aponta que a cirurgia se deu “na mesa, improvisada às pressas, numa das salas de sua residência”.
A morte de Júlio de Castilhos, no sábado, dia 24 de outubro de 1903, às 19h30min, é anunciada sem situar o local. No domingo, o Jornal do Brasil (RJ), em um trecho, aponta: “Durante toda a tarde de hontem, sofreu incessante dyspnéa, tendo feito uso contínuo de balões de oxigênio”. Segunda-feira, 26, o jornal A Federação faz um histórico da doença: “De algum tempo (...) nosso inolvidável Chefe era continuamente affectado de rouquidão. (...) Não melhorando com as aplicações caseiras, fez uso primeiramente de medicação prescripta pelo dr. Carlos Barbosa (entre os dias 14 e 20 de agosto)”.
Segue o jornal: “Continuando adoentado, chamou o dr. Protásio Alves. Mais tarde, os drs. Mariante e José Carlos Ferreira examinaram o enfermo, que passou alguns dias na sua chácara”. A família permanece na Chácara da Figueira entre os dias 5 e 7 de setembro. “Regressando à residência nesta cidade, submetteu-se ao tratamento balneário e pela electrotherapia na Casa de Saúde Porto Alegrense”.
A Casa de Saúde Porto Alegrense ficava na Rua Voluntários da Pátria, 389, próximo à praça Osvaldo Cruz, com serviços médicos cirúrgicos, “secção de electrotherapia, radiografhia, gymnastica sueca, massagem e hydrotherapia”. O corpo clínico era formado pelos médicos Victor de Brito (o diretor), Deoclecio Pereira, Jacintho Gomes e Protásio Alves, este grande amigo de Castilhos.
A reportagem continua: “Não melhorando, foi chamado o dr. Carneiro, que passou a assistir o doente, com o dr. Protásio. Aggravando-se a enfermidade, foi consultado também o dr. Deoclecio Pereira”. Dr. Manoel G. Carneiro era versado em garganta.
Em 24 de outubro, dia da morte do Chefe, novo “accesso de asphixia”. Castilhos pediu pelo dr. Protásio, e com certeza seguiram até a Casa de Saúde Porto Alegrense, pelo quadro “penosíssimo”, passando a tarde “aspirando o ar de balões de oxigênio”, em situação aflitiva. Nesse período, são chamados os médicos Deoclecio Pereira, Arthur Franco (genro de Castilhos), José Carlos Ferreira, Carlos Wallau, Serapião Mariante e João Abbott. Sete médicos decidiram e auxiliaram a cirurgia praticada pelo dr. Protásio. Segundo o jornal, Castilhos “caminhou por seus próprios pés para a mesa da operação”.
Impossível afirmar que a cozinha de Júlio de Castilhos teria balões de oxigênio, bisturis, chloroformio, electrotherapia... Difícil imaginar que o grande líder, rodeado e assistido por sete médicos, tenha sido operado numa mesa improvisada! Adoentado, Castilhos sempre chamou o dr. Protásio, que atuava na Casa de Saúde, local da cirurgia. Acompanharam o ato, no quarto, Borges de Medeiros, Evaristo do Amaral, José Montaury e Francisco Jaguarão. No “corredor”, mais quatro senhores, conforme relatos do jornal. E a esposa, Honorina? Ausente! Sofrendo as consequências do meio positivista...
Ela não é citada nos jornais e nem acompanhou aquele fatídico entardecer. Devido à paixão pelo amado e as circunstâncias dos acontecimentos, passa a carregar uma dor incontrolável, aprisionando o pensamento de Athenais Mialeret: “Não sou sua viúva, sou sua alma que se retardou um pouco sobre a terra”.
Tempos de dor.
D. Honorina falta às cerimônias de sétimo dia na Igreja e no túmulo. Em 4 de novembro, a família recebe D. Anna Costa, mãe de D. Honorina, que residia em Pelotas. No dia 3 de dezembro, Honorina, sua mãe, cinco filhos e um sobrinho embarcam para Pelotas. No Natal, jornais pelotenses noticiam que ela “correu o risco de perecer afogada em um arroio”. Foram várias tentativas até o recontro.
Em 3 de janeiro de 1905, acaba a dor inconsolável, a saudade insaciável da mulher que não pôde vencer as agruras da eterna separação. Junto às festas do Natal, Ano-Novo e do seu aniversário, no porão da casa, coloca um ponto final na curta vida. O casal teve sete filhos: Júlia, Eugênia, Ottilia, Honório, Ambrosina, Fernando, que morreu com seis meses, e Edmundo.