Uma multidão ocupou a estação férrea de Guaporé neste sábado (23), na retomada dos passeios de trem pelo Vale do Taquari. Com quase três horas de duração, a primeira viagem após a enchente que destruiu cidades da região levou 408 passageiros pelos trilhos até Muçum.
Os turistas foram orientados a não circular pelo município, o mais atingido pelas cheias do Rio Taquari. Organizadora do Trem dos Vales, a NSB Operadora recolheu donativos e doações em dinheiro às vítimas do desastre climático.
Batizada de Trem Solidário, a iniciativa havia recolhido até pouco antes da partida 35 caixas com roupas e material de limpeza e higiene, além de R$ 7,8 mil via pix (chave celular 51996970641).
— É um momento de retomada, as pessoas precisam trabalhar e nos conforta saber que podemos ajudar — diz o gerente comercial da NSB, Alencar Ortolan.
O céu nublado, intensificado por uma espessa neblina que se formou nas primeiras horas da manhã, deu ares de passeio noturno à viagem, mas não intimidou os turistas. Em grupos, eles se dividiram por 10 vagões, vibrando na escuridão quando a composição passava por um dos 23 túneis espalhados pelo trajeto.
A chuva chegou após uma hora de deslocamento, durante a passagem pelo Viaduto Mula Preta, com 98 metros de altura. A precipitação não atrapalhou a contemplação do cenário exuberante, em grande parte inatingido pela fúria das águas. Lá embaixo, porém, o Rio Guaporé ainda exibia uma correnteza tingida de lama.
As amigas Margarete Silva, 66 anos, e Joice Senna, 63, saíram de Porto Alegre na quinta-feira (21) para levar roupa de cama aos moradores de Muçum. Os bilhetes para o passeio de trem haviam sido comprados no início de agosto para o feriado de 20 de Setembro. Como as viagens estavam suspensas devido à enchente, elas transferiram para este final de semana.
— Tudo parou por aqui, então a volta do trem é uma maneira de a gente ajudar as pessoas também, pois movimenta a economia. Pretendo voltar no verão, até porque o tempo chuvoso não nos deixou observar toda a paisagem que é fantástica — conta Margarete.
Com 46 quilômetros de extensão, o passeio movimenta 350 empreendimentos comerciais da região, garantindo sustento a cerca de 1,4 mil pessoas. Somente nos dias em que o trem deixou de circular por conta das cheias, 7 mil bilhetes foram cancelados. A NSB negocia agora com a Rumo S. A., concessionária das linhas férreas no Estado, uma expansão da atual temporada, cujo fim está marcado obra 17 de dezembro. O objetivo é estender os passeios até janeiro.
— Estamos vendo essa possibilidade. O trem que fixou o homem à terra, propiciando o surgimento dos primeiros povoados. Hoje, um século e meio depois, é o trem o propulsor do turismo no Vale do Taquari — afirma o diretor de Relações Institucionais da Rumo no Rio Grande do Sul, Miguel Angelo Jorge.
Na chegada a Muçum, nove ônibus e duas vans esperavam os turistas. Dentro da estação, pequenos comerciantes recomeçavam a vida. Há três meses vendendo souvenirs e camisetas do passeio de trem, Clara Gelati, 61 anos, aposta no turismo para remontar a casa após perder todos os pertences na enchente de 4 de setembro.
— Todo mundo precisa de todo mundo. E o turismo é uma cadeia importantíssima para a região. Enquanto tiver gente vindo para Muçum, a cidade não será esquecida — comenta Clara.