Enquanto as cidades afetadas pelas enchentes desta semana no RS buscam reconstruir suas estruturas, órgãos em âmbitos municipal, estadual e federal unem esforços para resgatar e acolher desabrigados, encontrar desaparecidos e contabilizar as vítimas fatais. Embora diferentes ações de solidariedade sejam contabilizadas, governos têm sido questionados sobre a falta de previsibilidade de eventos de grande impacto como os que atingiram recentemente o RS.
Em entrevistas, ao ser perguntado sobre o tema, o governador Eduardo Leite demonstrou desconforto. Ao visitar os locais mais atingidos no Vale do Taquari, ele lembrou que, apesar dos alertas emitidos pela Defesa Civil, quando uma possível inundação se avizinha, a tragédia, que já matou dezenas de pessoas no RS, não tem precedentes.
— Mesmo as pessoas mais idosas nunca tinham visto um acontecimento assim, a água não subia como ocorreu em muitos dos locais afetados. Não há alertas que possam dar a dimensão do que aconteceu. Não se imaginava que haveria este volume de chuva — disse Leite, afirmando o desejo de buscar, ainda em seu governo, alertas mais eficientes com cálculos mais refinados.
Segundo o governador, toda a estrutura disponível do Estado está empregada em resgates, sua prioridade de atuação, que inclui helicópteros, barcos, aeronaves, além de efetivo.
— Pedimos, ainda, apoio da Força Aérea Brasileira, Marinha e Exército, homens e maquinário de toda ordem. Os Estados de Santa Catarina e Paraná também estão ajudando para restabelecer as cidades atingidas — relatou Leite.
Quanto a futuras enchentes, o governador lamenta não poder “apertar um botão e mudar tudo”, mas defende remoções de famílias residentes em áreas de risco, defendendo que as mudanças climáticas acontecem em todo o planeta.
— Não somos uma ilha e, infelizmente, acontece aqui também. Por exemplo, Roca Sales não era uma área de risco. E, na zona central do município, o rio subiu quatro metros. Do ponto de vista estatístico, não era para ter uma enchente em Lajeado apenas três anos depois da ocorrida anteriormente. Mas, temos que fazer a nossa parte, revisar os cálculos sobre as estruturas das pontes, por exemplo, e fazer planejamentos urbanos que tornem as cidades resilientes.
Estrutura possível
O prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo, relata não ter visto um cenário semelhante e ressaltou que o nível do Rio Taquari chegou a ultrapassar 29 metros (o nível normal é 13 metros) na terça-feira (5), superando a enchente que assolou a cidade em 2020. Mas, segundo ele, a diferença entre as duas ocorrências foi a estrutura armada pela cidade.
— Agora, estamos mais preparados, apesar de todas as dificuldades. Muitas famílias resistiram em sair, mas fizemos resgates com auxílio de barcos e jet skis, buscando prestar ajuda a todos — compara Caumo, que busca reorganizar a cidade que contabiliza três mortos até o momento, antes que as próximas chuvas de setembro atinjam a região.
Antes que a chuva volte com mais força, os esforços do município estão nas remoções de famílias de zonas de risco. A descrição feita pelo prefeito de Muçum, Mateus Trojan, é de caos. Ele diz que a prevenção contra desastres naturais é debatida em reuniões do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, mas a colocação em prática é complexa.
— Estudamos muito, buscamos muitos contatos, mas são coisas complexas. Acabamos não tendo um suporte de esferas governamentais maiores, pois são projetos inviáveis, muito difíceis de se realizarem – explica Trojan.
Preocupação com as ilhas
O impacto das chuvas recentes sobre a região metropolitana foi bem menor do que no Vale do Taquari. Ainda assim, a preocupação sobre possíveis danos é constante. Na Capital, a Comissão Permanente de Atuação em Emergências (Copae) no Centro Integrado de Comando de Porto Alegre (Ceic) alinha estratégias de atendimento e acolhimento à população, principalmente na região das ilhas e zona sul da cidade.
Na Ilha dos Marinheiros, equipes de órgãos municipais organizaram espaço de acolhimento na escola estadual Alvarenga Peixoto. Segundo o diretor-geral da Defesa Civil de Porto Alegre, coronel Evaldo Rodrigues, será possível acolher 50 pessoas no local.
— Já temos todo o material suficiente para montar um outro abrigo na região para mais 50 pessoas, se for o caso. Estamos mobilizados, temos um contingente considerado adequado, com a adição de 30 novas pessoas — relatou.
Somente em Porto legre, residem 80 mil pessoas em áreas de risco, “muitas cidades dentro de uma cidade”, conforme o prefeito Sebastião Melo.
— Isso não se resolve da noite para o dia. O nosso desafio é estarmos alinhados, governos municipal, estadual e federal, e ter uma política pública de curto, médio e longo prazo — opina o prefeito.
Melo cita que as famílias ribeirinhas costumam resistir a negociações sobre saída dos locais considerados mais perigosos. Mas, à medida que a Defesa Civil emitir avisos de alerta, estas comunidades serão retiradas.
Adaptação x remediação
Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos André Bulhões Mendes é engenheiro civil, com mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e doutorado em Planejamento de Recursos Hídricos. Ele afirma que muitos dos estragos sentidos no Vale do Taquari poderiam ter sido evitados.
— Não é questão de ficar procurando culpados. Mas é preciso desenvolver a capacidade de adaptação, ou seja, fazer mudanças antes do desastre, e não de remediação, que é o que vem depois que já aconteceu. Falta fazer disso uma prioridade no plano político, em geral, em todas as esferas. Não se resolve agora. No momento, é dar apoio ao trabalho de ajuda às pessoas. Mas, depois disso, qual será pior chuva? É a próxima — destaca Bulhões, que considera como ação mais adequada, seguinte ao da solidariedade, a de adaptação à primeira catástrofe que vier depois.
O engenheiro reconhece que a retirada das famílias das zonas de risco, uma das principais medidas de adaptação, não é fácil.
— Quando chove, o nível dos rios sobe e água vai para as laterais, as chamadas planícies de inundação. As pessoas com suas necessidades e carências começam a ocupar essas áreas, algumas sabendo do risco, outras com anuência do Poder Público. Nos Estados Unidos, tem um seguro, feito no banco, dessas casas. Mas, se a moradia está em uma beirada de rio, há um nível de exigência muito alto para se obter autorização para construírem. Teria que fazer com 30 metros de altura. Só que isso envolve uma decisão de natureza política. Não pode ser um programa de governo, mas um programa de Estado – sugere.
Bulhões lembra que extremos como secas e enchentes serão, daqui para frente, mais intensificados e, por isso, a humanidade precisa de medidas adaptativas. No entanto, a quantidade de variáveis climatológicas ainda dificulta na previsão exata do próximo desastre natural. Ele acrescenta que as medidas adaptativas se dividem em estruturais (construção de barragens e diques de proteção, que precisam de investimento) e não estruturais (zoneamento das áreas de risco, levando-se em conta o histórico daquele trecho de ocupação da cidade para evitar obras e outros empreendimentos ali).
El Niño
A meteorologista da Climatempo, Josélia Pegorim, afirma que a principal diferença entre outros eventos climáticos e as ocorrências de 2023, é o El Niño.
— Ele intensifica e aumenta a frequência de correntes de ar quentes e úmidos que vão do Norte para o Sul do Brasil. Isto potencializa a formação de ciclones, de grandes áreas de chuva. Sabemos que este fenômeno tem uma atuação particular sobre o RS.