No Parque do Imigrante, em Lajeado, no Vale do Taquari, o som dos helicópteros, que aterrissam e decolam a todo momento, confunde-se com o de brincadeiras infantis. No espaço coberto entre os pavilhões 01 e 02, crianças correm, jogam bola e são atendidas por dezenas de voluntários. Uma das paredes está coberta por desenhos coloridos — em um deles, uma casinha azul é retratada. Acolher as famílias que precisaram abandonar seus lares em razão das enxurradas que assolaram a região é um dos trabalhos que vêm sendo realizado no local.
Em frente ao pavilhão 2, onde foram concentrados os donativos que chegam para as famílias, foi montada na última noite uma brinquedoteca improvisada, com mesinhas e cadeiras de madeira e tapetes cobertos de brinquedos. Os pequenos pintam com giz de cera, leem, fazm bolinhas de sabão ou jogam futebol.
— Uma menina chegou de Cruzeiro do Sul e me disse: "me dá um abraço, tia" — descreve emocionada a pedagoga Ana Paula Moraes, 43 anos, que se juntou aos voluntários.
Ao lado da brinquedoteca está instalada a tenda do atendimento psicossocial. Somente da região, são cerca de cem voluntários, entre psicólogos, educadores, fisioterapeutas, pedagogos e outros profissionais, que se revezam para acolher a todos que chegam. Alguns optam por falar sobre os momentos vividos, outras preferem o silêncio.
— É muito importante ouvir as pessoas, acolher, de forma bem respeitosa. No momento em que uma pessoa chega aqui, a gente acompanha para ver o que ela precisa. Algumas estão com raiva, outras estão em luto — conta a psicóloga Gabriela Kunsler, 33 anos.
A mobilização dos voluntários iniciou por um grupo de WhatsApp, que passaram a se movimentar para saber o que poderiam fazer. Fundadora da Rede de Apoio Psicossocial (RAP), a psicóloga Melissa Couto, que é especialista em emergências de desastres e atuou durante o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, e atualmente reside em Lajeado, coordena esse trabalho no local.
Além das equipes em Lajeado, profissionais foram enviados para abrigos temporários em outras cidades da região, como Muçum, Estrela, Cruzeiro do Sul, Roca Sales e Colinas. Além de profissionais do Vale do Taquari, há voluntários de outras cidades, como de Canoas, na Região Metropolitana, de Porto Alegre e do Paraná.
—Estamos numa parceria entre a RAP, a Univates e a Unilasale de Canoas, que é um pessoal que já foi capacitado por nós para atender Caraá (município atingido pelo ciclone em junho deste ano), e foram para Muçum. Estamos contando com muitos voluntários, grupos grandes — explica.
Além do acolhimento para aqueles que precisaram deixar suas casas, as equipes também estão se preparando para fazer o acompanhamento dos familiares das vítimas que perderam a vida em razão da enxurrada. Até esta quinta-feira, eram 39 vítimas em todo o Rio Grande do Sul, a maior parte delas no Vale do Taquari.
— Vamos acompanhar o reconhecimento dos corpos e, depois, os rituais de despedidas nos velórios e funerais. É o mesmo trabalho que fizemos na Kiss, exatamente no mesmo modelo — afirma Melissa.
105 famílias abrigadas
Na manhã desta quinta-feira, havia no Parque do Imigrante 105 famílias abrigadas, num total de cerca de 330 pessoas. Há filas em diferentes pontos, para recebimento de doações e atendimentos de saúde. Na entrada do pavilhão dois, um voluntário conversa com duas crianças.
— Gostam de desenhar? — questiona.
Ali perto, integrantes do projeto E seu Sorriso? da Univates, vestidos como palhaços, também distraem os pequenos com brincadeiras. Duas meninas riem enquanto se esforçam para ouvir o coração de uma das voluntárias.
— As crianças precisam desse amparo, mas elas são as que ressignificam de uma forma mais fácil que os adultos. Elas têm uma capacidade maior de reorganização, porque estão construindo uma vida — afirma Melissa.
Nos pavilhões, as famílias foram identificadas por números, e as quadras foram tomadas por aquilo que as pessoas conseguiram salvar, além das doações que chegam a todo momento. Lonas e roupas de cama são usadas para separar uma família da outra, numa tentativa de criar um espaço mais preservado.
— Pode entrar, essa agora é minha casa — tenta se conformar Tiago Roberto de Castro, 40 anos, que precisou deixar a casa na Rua General Osório, no bairro Praia, com a esposa e os três filhos, de cinco, 10 e 14 anos.
Depois de perder boa parte dos móveis, ele pensa em não retornar mais para a mesma casa, acuado pelo risco de novos desastres. Bem perto dali, a família de Helena Barcelos, 29 anos, do mesmo bairro, também precisou deixar as casas para trás. Ela precisou se abrigar no local com o marido e os três filhos, de quatro, sete e 11 anos, na segunda-feira à noite.
— Estamos nós, minha comadre, meu compadre e o nenezinho deles. Sim, o que está aqui é o que sobrou. Foi o que deu para salvar. Na enchente de 2020 nós perdemos tudo também. Nessa, como água veio muito rápido, subiu muito rápido, a gente não conseguia sair. Foi bem difícil. O que a gente conseguiu, tirou, o que não conseguiu, ficou para trás — narra.
Mesmo entre os desabrigados, as pessoas também tentam se ajudar. Na entrada do pavilhão, Luciane Diemer, 53 anos, e a filha Josiane Diemer, 34 anos, separam as doações que podem ser repartidas com os demais. O marido de Josiane, Moisés Carvalho, 43 anos, permaneceu duas noites no telhado da casa onde eles viviam com a filha, de 11 anos, e o fiho de um mês e meio.
— O que não serve para a gente estamos distribuindo. Ontem (quarta-feira), distribuímos os lanches também. Nessa hora, todo mundo tem que se ajudar — diz a técnica de enfermagem.
Suporte aéreo
É também do Parque do Imigrante que partem as aeronaves que atuam nos resgates e apoio às pessoas que foram atingidas pelo desastre. A todo momento, helicópteros partem carregados com mantimentos que estão sendo distribuídos na região. Ao todo, são pelo menos 10 aeronaves e 40 embarcações empregadas na operação. Do Estado, há cerca de 900 servidores empenhados no atendimento às famílias atingidas.
Na quarta-feira (6), a missão recebeu o apoio da Polícia Militar de Santa Catarina, que já atuou em tragédias semelhantes no Estado vizinho, como as enchentes e deslizamentos na região do Vale do Itajaí, em 2008, as inundações em Criciúma em 2011 e as destruições causadas pelo furacão Catarina, em 2004.