Nos fundos da Vila Asa Branca, na zona norte de Porto Alegre, dezenas de famílias de venezuelanos vivem em situação de miséria na Ocupação Farroupilha. O local fica à margem de um arroio, cujo odor exala esgoto, próximo da Freeway. O piso mescla chão batido, áreas alagadiças e montes de caliça que os moradores espalham para aterrar.
As moradias são casebres de madeira, com frestas graúdas. Os recortes em que deveriam existir janelas são, na verdade, vãos abertos. No meio da ocupação, em frente a um casebre, um fogão a lenha é improvisado no chão. Sem dinheiro para o gás, venezuelanos queimam pedaços de pau para cozinhar e esquentar água para o banho. Parte das casas teve as paredes de madeira forradas no seu interior com caixas de leite: uma tentativa de amenizar o frio que atormenta os caribenhos e evitar que os ratos, numerosos por ali, invadam.
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Na Ocupação Farroupilha, a maioria dos venezuelanos está desempregada. E há outras precariedades.
— Hoje não temos banheiro. É nossa maior dificuldade — diz Yaxelis Carolina Gonçalez, 28 anos, moradora do local junto do marido e dos cinco filhos.
O jeito encontrado é buscar o banheiro de um vizinho ou fazer as necessidades em uma sacola e arremessar ao mato.
Omaira Del Carmen López, 59, reside na Farroupilha com uma neta de 11 anos. No ciclone de junho, o arroio transbordou e invadiu o casebre dela, subindo um metro. Ela recorda ter perdido o pouco que tinha e relata sequer ter conseguido inscrição no Cadastro Único para receber o Bolsa Família.
— Estamos vivendo de ajuda para comer e ter roupa — diz.
Com problemas de saúde, Omaira está na fila para fazer uma cirurgia nos olhos pelo SUS. O fato de conseguirem atendimento gratuito em saúde é decisivo para que esses imigrantes, mesmo na miséria, mantenham a intenção de ficar no Brasil.
— Tenho pressão alta e tive um AVC na Venezuela. Aqui recebo remédios do setor público e consulto médicos. A vida não é boa, carecemos de muitas coisas, mas na Venezuela estava pior — diz Iglis Rojas, 48, outra habitante da Ocupação Farroupilha.
Isabel Garcia, 34 anos, mora com mais cinco familiares na localidade. O marido dela está trabalhando em obras, o que garante dinheiro para a alimentação. As crianças da ocupação, em geral, vão à escola, o que também assegura refeições.
— Não quero voltar. A medicina aqui é melhor e consigo comprar comida. Tenho uma filha que adoece muito e recebe atendimento no Hospital Conceição — narra Isabel.
As migrações contemporâneas para o sul do Brasil são motivadas pela demanda por mão de obra, sobretudo em serviços pesados. Para encaminhar migrantes ao emprego, o Cibai-Migrações, serviço de acolhida mantido pela Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, tem parceria com mais de 150 empresas no Rio Grande do Sul.
— Hoje temos mais de três mil currículos registrados. Procuramos ver com os empregadores se podem pagar um pouco mais e preparar uma hospedagem temporária. O Rio Grande do Sul está sendo meio que um sonho americano. O migrante vai onde pensa encontrar melhores condições ou onde ele já tem um familiar — diz o padre Ademar Barille, vice-diretor do Cibai-Migrações.
Outra motivação para as migrações ao sul costuma ser o fato de as organizações da sociedade civil terem uma rede de acolhimento estruturada, com auxílio na obtenção de documentação, cestas básicas, vestimentas, cursos de português e casas de passagem.
— Sinto saudade. Dá uma dor no peito. Mas aí penso que vou ficar dois ou três meses na Venezuela e, depois, vou fazer o quê? — reflete, entre suspiros e olhos marejados, a imigrante Omaira.