Praticamente todos os terminais do Rio Grande tiveram queda na movimentação no pós-pandemia. Todavia, no primeiro trimestre de 2023 o crescimento voltou: em relação ao mesmo período do ano passado, 17.680 toneladas foram movimentadas a mais, atingindo 8.995.711 toneladas.
A exportação de toras de madeira, por sua vez, cresceu vertiginosamente. O mercado foi aberto pela empresária Fernanda Hackbart, dona da Connexion, que hoje controla 90% de todas as toras que passam pelo terminal. Especialista em comércio exterior, Fernanda começou vendendo móveis da Serra para a Europa, África e Oriente Médio.
Em 2016, ela descobriu o apetite da China por troncos de eucalipto para fabricação de assentos para poltronas. A matéria-prima abundava no sul do Estado, após os projetos frustrados de montagem de um polo industrial de celulose a partir de reflorestamento. No início, ela enviava 600 toneladas a cada cinco meses. Hoje, movimenta 120 caminhões por dia no cais, remetendo 1 milhão de toneladas de eucalipto ao ano. A atuação como uma das maiores exportadoras da América Latina, com faturamento de R$ 500 milhões, não livra Fernanda do machismo nas relações comerciais.
— Tinha cliente que não me olhava nos olhos, outro que não me dava a mão. Tinha um que servia cafezinho a todo mundo e para mim apontava a máquina, lá longe. Outro passou um ano negociando por telefone e quando soube que eu era mulher se recusou a fechar negócio — desabafa Fernanda, que hoje financia ações sociais para mulheres empreendedoras nas zonas portuárias da Região Sul.
Embora o transporte de toras seja um dos que mais crescem em Rio Grande, a atividade se sustenta sobretudo na soja. O grão e seus derivados respondem por 38% de toda a operação. Em 2021, a supersafra impulsionou as exportações, levando ao recorde de movimentação na história do porto: 45,18 milhões de toneladas.
Mercado paralelo
A profusão de soja no entorno do porto deu origem a um mercado paralelo que dá sustento a pelo menos 22 famílias. Todos os dias, um grupo de rapazes recolhe o que cai no chão ou sobra da descarga de caminhões e vagões de trem. Como os caminhoneiros precisam estar com os veículos vazios para pegarem outra carga, permitem que os chamados “varredores” retirem excedentes que podem chegar até 15 quilos de soja, milho e trigo que restam espalhados nas caçambas.
Instalado em um galpão à beira dos trilhos, o grupo junta, ensaca e revende os grãos para produtores rurais em busca de ração animal. A soja é o produto mais abundante e valorizado, sendo comercializado por um valor entre R$ 30 e R$ 40 o saco de 50 quilos, cerca de um terço do valor de mercado.
— Eu estava desempregado há dois meses e agora tiro uns R$ 300 por semana aqui. Não é muito, mas garante o leite do meu guri — afirma Roberto Almeida Mar, 27 anos.
Roberto é um dos tantos órfãos do polo naval. Por seis anos, ele trabalhou de hidrojatista num dos três estaleiros que se instalaram em Rio Grande. Demitido após a crise que atingiu o setor com o fim das encomendas da Petrobras, acabou arrastado pelo pessimismo pós-derrocada de empresas que, em 10 anos, geraram 24 mil empregos num município de 190 mil habitantes.
Outro ramo tradicional nas regiões portuárias e que perdeu fôlego com o fim do polo naval foi o meretrício. As lâmpadas vermelhas que se sucediam ao redor do porto são cada vez mais raras e discretas. A clientela já havia escasseado com a automação dos terminais, que reduziu sobremaneira o tempo de permanência dos navios e, por consequência, as horas de folga da tripulação. Antes, era comum marujos e executivos estrangeiros jogando para o alto notas de dólar e euro em festas com moças locais.
— Vinha até 60 gringos por noite, a casa faturava R$ 70 mil, R$ 80 mil. Hoje uma noite boa dá R$ 10 mil. Agora eles ficam menos tempo em terra e antes de mais nada querem comprar chocolate Garoto e chinelos Havaianas para só depois virem se divertir com as meninas – conta Francine Braga, 36 anos e que há 19 administra uma boate, gerenciando garotas poliglotas que cobram US$ 100 por programa.
Sucessivas jornadas ao volante
Das prostitutas aos empresários, dos estivadores aos executivos, do prático ao varredor, em meio à toda diversidade humana que orbita o único porto marítimo do Rio Grande do Sul, nenhum personagem é tão onipresente como o caminhoneiro. Varando dias e noites ao redor dos navios e armazéns, num movimento cíclico que castiga o asfalto para sustentar a economia, muitas vezes à margem da riqueza que transporta.
No final da manhã da última Sexta-feira Santa, Sidnei Borges Messones, 56 anos, se preparava para mais uma jornada ao volante do Alfa Romeu 1963 com o qual conduz fertilizantes para um armazém a 700 metros do cais.
— Comecei às três da tarde de e só parei agora, às oito e meia da manhã. Entrei 11 vezes no porto. Daqui a pouco vou de novo. O navio tem 6 mil toneladas, recém levamos duas. Mas não posso me queixar. Comprei casa e carro fazendo isso. Não tem serviço melhor para ganhar dinheiro do que no porto, embora às vezes a gente é quem fica com menos — resigna-se Messones, que recebe R$ 2,43 por tonelada transportada.