A atuação do Sindicato dos Trabalhadores e Assalariados Rurais de Vacaria e Muitos Capões, presidido por Sergio Poletto, e sua relação com a classe patronal, é considerada um propulsor do trabalho decente na colheita da maçã. Desde meados da década de 90, a partir de negociações entre o sindicato e as empresas, são elaboradas anualmente as convenções coletivas de trabalho – a de 2022/2023 tem 42 cláusulas.
No acordo, ficou definido, por exemplo, que o salário na atual safra seria de R$ 1.610,40 para o colhedor, R$ 1.932,48 para o tratorista e R$ 2.013 para o chefe de turma. As três empresas que receberam a reportagem pagam adicionais por produtividade de colheita. Na média, as remunerações mensais dos trabalhadores que aderem ao modelo e obtêm bom desempenho variam entre R$ 2,2 mil e R$ 3 mil.
A convenção coletiva define a jornada de trabalho em 44 horas semanais e determina o pagamento de hora extra pelo excedente. O documento elaborado pelo sindicato de Vacaria, seguido por outros municípios da região como referência, ainda prevê obrigações mais singelas, mas que garantem humanidade: o empregador deverá manter água potável no local de trabalho.
Nas propriedades visitadas pela reportagem de GZH, os safristas portavam canecas individuais nas linhas dos pomares e, nos bins, havia um galão de água com torneira. Ainda são regradas as rescisões de contrato e o fornecimento gratuito de todos os instrumentos de trabalho, incluindo os de proteção individual.
— Houve melhorias, visivelmente. O sindicato conseguiu fazer uma série de cláusulas nas convenções coletivas que melhoraram as condições de trabalho e a remuneração — diz Everton Picolotto, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Outro aspecto destacado nesse processo é a vigência da Norma Regulamentadora 31 (NR 31), cuja primeira versão foi publicada em 2005 pelo Ministério do Trabalho e Emprego para disciplinar a segurança e a saúde nas atividades agrícolas.
— Foi muito importante para a qualificação. Aborda desde o trator até as características dos alojamentos e refeitórios — avalia Poletto.
Ponto de virada
Celso Zancan, diretor da Rasip Alimentos, recorda que as "normatizações começaram nos anos 2000" e representaram "um ponto de virada".
— Eu cito muito a NR 31. É uma bíblia, mas, se você cumpri-la, estará enquadrado. Sofremos fiscalizações e ninguém quer ter o nome associado a problemas. O Poletto tem sido parceiro. Nos cobra via sindicato, mas também nos ajuda — avalia Zancan.
A partir das instruções e negociações, as empresas de Vacaria e arredores passaram a fazer contratações diretas dos trabalhadores. As produtoras de maçã assinam a carteira dos safristas, o que é sustentado tanto pela Agapomi quanto pelo sindicato. Isso ajuda a reduzir a influência do empreiteiro, figura que arregimenta mão de obra em algumas culturas, por vezes de forma terceirizada.
Além da contratação direta, as empresas assumem os custos de transporte de ida e volta da mão de obra sazonal, com direito à alimentação no traslado. Isso não é cobrado posteriormente, evitando que o safrista já chegue no local de colheita devendo dinheiro ao empregador, situação que pode caracterizar a servidão por dívida, definição prevista no Código Penal.
A Schio, por exemplo, investe cerca de R$ 50 mil para trazer uma turma do Nordeste em ônibus fretado e somente é permitido o embarque daqueles que já receberam o registro de trabalho da indústria, diz o responsável técnico André Luiz Werner. O aporte é de igual valor para a viagem de retorno no pós-colheita.
— Temos acordo com o MPT para que todo trabalhador temporário que vem de fora saia da sua origem já com a carteira assinada — reforça Zancan, da Rasip.
Da aldeia do MS ao pomar de Vacaria
Em 2023, dos 2,5 mil safristas recrutados pela Rasip, 800 são indígenas terena e guarani, vindos do Mato Grosso do Sul. As contratações são mediadas e fiscalizadas pela Fundação do Trabalho (Funtrab-MS), MPT do MS e Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae).
Um deles é Édino da Silva, índio terena de Miranda (MS), chefe de turma nos pomares da Rasip, onde presta serviço periodicamente desde 2013. Ele próprio reuniu mais 42 indígenas na sua aldeia para a colheita da fuji na Fazenda São Luís, em Vacaria, umas das unidades de plantio da Rasip. Conta não ter recebido nenhum adicional pelo recrutamento.
— Já fomos maltratados em outras empresas por questões culturais, mas na Rasip somos entendidos. Temos bom tratamento na saúde, na alimentação e no pagamento — afirma Silva, que também é pastor evangélico.
Ele relata que opta por vir trabalhar no Rio Grande do Sul porque a aldeia em que vive fica na região do Pantanal, sem empresas que ofereçam empregos em escala. Na terra indígena, narra, é comum o plantio de mandioca, laranja, manga, banana e milho, entre outros, para consumo próprio.
O que é jornalismo de soluções, presente nessa reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.